São Paulo, sábado, 27 de agosto de 2005

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Verdades e mentiras

Escritor australiano Peter Carey lança romance em que discute falsidade e realidade no ato de criação literária

MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

Pouco conhecido no Brasil, o australiano Peter Carey, 62, é uma celebridade do mundo literário britânico. É um dos dois únicos escritores a bisar o Booker Prize, o prêmio literário de maior prestígio do Reino Unido. "Minha Vida, uma Farsa", que agora chega ao Brasil, é seu último romance, um thriller ambientado em Londres, na Austrália e na Malásia. Inspirado num episódio verídico, sobre um poeta inventado para desmoralizar uma revista, reflete sobre a criação literária.
Em entrevista à Folha, feita por telefone de Nova York, onde mora há 15 anos, Peter Carey conta o que o motivou a escrever seu romance. Relata sua breve experiência com cinema e explica o que os prêmios representam na sua experiência de escritor.

 

Folha - Seu livro é inspirado em uma fraude literária. Qual foi sua motivação?
Peter Carey -
O que me impressionou na história de Ern Malley foi que ele nunca existiu, era completamente inventado. Mesmo assim, ganhou vida, e a fraude que ele representou ainda está viva na nossa imaginação. Pensei em como seria estar na sua pele. De repente você aparece, com a idade de 24 anos, e todos acham que você é falso. Como você se sentiria? Ficaria bravo? Esse personagem está vivo na imaginação da literatura australiana. Acho que a maioria dos escritores australianos não apenas pensam nele, mas gostam dele. No meu livro, no fim, ele vence. É vingado. Também comecei a pensar na história de "Frankenstein", de Mary Shelley. Claro, deixei totalmente para trás a realidade e a história, aquilo que realmente aconteceu. Inventei circunstâncias. No final, não há muita coisa da história real, exceto por alguns dos poemas.

Folha - Havia a intenção de ironizar o papel da crítica literária?
Carey -
Não foi a minha intenção inicial. Eu considero as pessoas que criaram a fraude meus inimigos culturais, pela visão conservadora deles. Não estão do meu lado, pelo menos politicamente. Acho que a piada que fizeram teve um efeito muito negativo na sociedade australiana. Tablóides e jornais da época ficaram felizes em dizer que arte era bobagem. Foram vitoriosos no curto prazo, mas não no longo prazo. No final, alguns dos poemas que inventaram foram considerados muito bons. Há universidades dos EUA que realmente usam esses poemas falsos em seus cursos de literatura. As principais antologias de poesia australiana incluem os poemas de Ern Malley. Então a idéia do livro é de uma vingança da arte, do risco e do modernismo, o que os fraudadores nunca imaginaram que poderia acontecer. A personagem que eles criaram era mais importante do que eles mesmos. Hoje, ninguém lê a obra deles, mas a de Ern Malley. Acho isso mais intrigante do que fazer uma ironia com os críticos.


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