São Paulo, sábado, 27 de agosto de 2011

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Livro e filme tornam real cena punk muçulmana fictícia

'Taqwacores', romance de Michael Muhammad Knight e filme de Eyad Zahra, fomentou o surgimento de bandas radicais islâmicas

SANJIV BHATTACHARYA
DO "GUARDIAN"

Houve um tempo em que as palavras "radical muçulmano" pintavam um quadro muito claro: um rapaz com explosivos, talvez, ou um clérigo barbudo pedindo a adoção da sharia de uma ponta a outra do Reino Unido.
Mas as coisas mudaram. Os manifestantes da Primavera Árabe são tanto muçulmanos quanto radicais. Agora, um novo filme, "The Taqwacores" (2011), procura esticar a definição ainda mais.
A premissa do filme é familiar: um estudante muçulmano pacífico entra para uma comunidade islâmica hardcore no interior do Estado de Nova York e se radicaliza.
Desta vez, porém, "hardcore" alude ao punk rock: um dos islâmicos da comunidade usa cabelo moicano vermelho e anuncia as orações com uma guitarra; outro membro é gay e usa saia.

ISLÃ, CERVEJA E MACONHA
Bandas se congregam no local, e eles tomam cerveja e fumam maconha. Têm em seu meio uma feminista que veste burca e, com o Alcorão nas mãos, diz: "Esse mandamento orienta os homens a bater em suas mulheres. Eu preciso disso, por acaso?".
É uma produção de baixo custo, de história simples.Embora "The Taqwacores" tenha provocado reações ambíguas quando foi lançado nos EUA, em junho passado, a "Hollywood Reporter" defendeu sua originalidade.
O romance no qual se baseou foi escrito por Michael Muhammad Knight, ele próprio um radical, segundo a maioria dos critérios.
Aos 17, converteu-se ao islamismo como ato de rebelião. Mas não demorou a encontrar muitas coisas no próprio islã para se rebelar, como as atitudes em relação à mulheres, gays e álcool.
"Então imaginei um mundo de fantasia em que o islã não tivesse uma definição absoluta, e você próprio tivesse o poder de defini-lo", conta Knight. Aí surgiu Taqwacore.
"The Taqwacores" levou ao surgimento de bandas punk muçulmanas na vida real, como The Kominas, de Boston, a Secret Trial Five, de Toronto, e outras até mesmo no Paquistão e na Indonésia.
Em 2007, foi organizada uma turnê -acompanhada por Knight- que percorreu os EUA e o Paquistão. A turnê foi registrada no documentário "Taqwacore: The Birth of Punk Islam" (2009).
E lá estava Eyad Zahra, de Ohio, que tinha acabado de se formar em cinema e tinha ficado "maravilhado" com o livro. Zahra conseguiu concessão para transpô-lo para o cinema. Um segundo filme estava a caminho.
O resultado é que a obra de Zahra por momentos parece mais intelectual que visceral, usando os personagens para transmitir o que quer. Mas o que ele descreve é uma fantasia de um punk muçulmano, e não uma realidade.
"Esse cenário Taqwacore nunca existiu realmente", diz Imran Malik, da banda Kominas, de Nova Jersey, cuja música se destaca no filme.
"Algumas bandas se juntaram para o documentário, mas a equipe do filme pagou por tudo, de modo que foi fabricado por alguém que quer vender uma narrativa."
Os personagens do filme "The Taqwacores" parecem confusos. A revolução deles foi comprometida. Eles se rebelam contra o islã para fortalecer o islã. O filme parece querer comer o bolo e tê-lo intacto, ao mesmo tempo.
O que significa "Taqwacore", afinal? Malik, do Kominas, entende o termo como "a ideia de um islã complicado". "É a primeira voz real de dissensão no islã ocidental. Conheço o islã, mas também sou americano, então sou informado pelo rock'n'roll, o hip-hop e tudo o mais."
Mas a energia de criação do Taqwacore ainda é espantosa. Por enquanto, apesar de sua incoerência, já deu lugar a dois longas, várias bandas e muitos textos na mídia. Esse fato, em si, já é inspirador.
Agora, quando a juventude muçulmana se ergue em protestos pelo Oriente Médio, talvez o Taqwacore ainda encontre sua verdadeira voz.

Tradução de CLARA ALLAIN.

THE TAQWACORES
AUTOR Michael Muhammad Knight
EDITORA Pub Group West
QUANTO R$ 28,90 (256 págs.)




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