São Paulo, sábado, 27 de agosto de 2011

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CRÍTICA ANTOLOGIA

Coletânea expõe variedade da produção literária anarquista

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

Os autores de "Contos Anarquistas" não aspiram às ambiguidades da literatura. A própria noção de autoria é estranha às matrizes de um movimento que pensava a arte como tomada de consciência coletiva.
Tampouco podemos falar em "contos". O volume (cobrindo o período 1890-1935) inclui parábolas, crônicas e diálogos enfeixados por uma "moral da história".
Seus autores são anarcossindicalistas e intelectuais militantes, muitas vezes escondidos sob pseudônimos.
Ao final do volume, há biografias dos poucos autores conhecidos, como Astrojildo Pereira (1890-1965) e José Oiticica (1882-1957).
Podemos ler "Contos Anarquistas" como registro da produção ideologicamente orientada de um Brasil em vias de industrialização.
Mais interessante, porém, é percorrer a zona em que palavras de ordem (contra o Estado, a igreja, o Exército), estereótipos que igualam o patrão ao ladrão e quimeras sobre o amor livre produzem anarquias narrativas.

DIDATISMO
Agrupados em núcleos, os contos de "Formação Militante" têm um didatismo catequético e as "Projeções da Utopia Libertária" trazem utopias que remetem aos "falanstérios" (as comunidades do socialista utópico Fourier), como em "Acraciápolis", a civilização sem dinheiro e governo imaginada por Vicente Carreras.
Nas seções "Cotidiano Operário" e "Miséria Urbana", o catecismo se converte em denúncia do adulador servil ao patronato, em sátira do desprezo burguês ("As Reivindicações da Canalha", de Everardo Dias) e no retrato gótico-naturalista do destino dos desvalidos ("Na Morgue", de Mota Assunção).
É em "Negação do Estado e da Ordem Burguesa" e "Moral Anarquista" que encontramos contos efetivamente anárquicos, dentro da paródia do parnasianismo em que Arnoni Prado e Foot Hardman, organizadores do livro, identificam a apropriação da linguagem das elites.

FOLHETIM
Se "Maluquices" mostra o despautério dos símbolos nacionais, escarnecendo um mote precursor da era Lula ("Não há coisa melhor do que ser brasileiro!"), caso à parte é "No Circo".
Ao final dessa história de Avelino Fóscolo sobre um artista circense que, ao receber uma herança, contempla com histrionismo sua dupla exclusão (da família burguesa e da trupe libertária), ficamos sabendo que o conto é o último capítulo de um romance publicado na forma de folhetim -o que coloca em xeque a premissa da antologia.
Pois, se a instantaneidade do conto possibilita o "registro da opressão cotidiana" (frase dos organizadores), o distanciamento proporcionado pela amplitude do romance permite ambiguidades que incluem a crítica da própria cartilha anarquista.

CONTOS ANARQUISTAS
AUTORES vários
ORGANIZAÇÃO Antonio Arnoni Prado, Francisco Foot Hardman e Claudia Leal
EDITORA Martins Fontes
QUANTO R$ 49,80 (344 págs.)
AVALIAÇÃO bom




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