São Paulo, sábado, 27 de setembro de 1997.



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"Dolores Duran" obscurece relações amorosas no Rio da década de 50

da Reportagem Local

"Dolores Duran - Experiências Boêmias em Copacabana nos Anos 50", da doutora em história Maria Izilda Santos de Matos, é livro que, talvez sem querer, encerra em sua capa promessa descumprida em seu conteúdo.
Quem o vir numa livraria pensará que se trata de uma biografia da cantora e compositora Dolores Duran (1930-1959). Não. A história de Duran é contemplada só de raspão, ou nem o é.
O livro guarda uma análise do papel da mulher no cenário da Copacabana dos anos 50, em que Dolores Duran não é mais que mero personagem-exemplo (até tempera tal cenário com o contraponto masculino, via transcrição de crônicas de Antônio Maria).
A autora quer provar que, na época, a mulher vivia momento de transição, passando da condição de "Amélia" para uma posição mais participativa na sociedade.
É verdade, no que diz respeito ao fato de Duran, sendo mulher, compor e se impor em tal cenário. O livro, no entanto, farta-se de exemplos que só vêm desmentir as teses da autora.
Perpassam suas poucas páginas abundantes trechos das poucas canções que Dolores Duran deixou -muitas delas, diga-se, repetidas à exaustão (e sem razão de ser) página após página.
Ora, o que se percebe de tantos exemplos é que a compositora transfere para suas letras uma persona submissa ao homem, culpada pelo fracasso da relação, sempre pronta à docilidade, sempre em pânico em relação à solidão.
Isso leva a autora a generalizações banais do tipo "nos anos 50, amar era sinônimo de sofrer" (pág. 79). Ora, não tem sido sempre assim, na expressão artística?
O que se pretende um retrato de época torna-se generalização obscurantista, desperdício da possibilidade de abordar uma figura de fato ambígua dentro daquele contexto de transformações.
Tal resultado é fruto de certa falta de rigor -característica inadmissível a um trabalho de natureza acadêmica. Percebe-se isso nos detalhes, como o fato de que o prefácio e a apresentação terminam com parágrafos quase idênticos.
Pior, percebe-se na própria estruturação do texto, que vai andando em círculos para sempre chegar ao mesmo tempo, num abuso de termos-chave que sempre se repetem ("espaço-tempo dos anos 50", "espaço público", "papéis sexuais").
No meio disso, a idéia parece ser única e não comprovada. As últimas frases do livro, defesa típica do modo "Amélia" de ser, sublimam a decepção: "Todavia, apesar das diferenças e hierarquias, homens e mulheres não engendram necessariamente interesses antagônicos. Os antagonismos são neutralizados pelo envolvimento amoroso: a paixão".

Livro: Dolores Duran - Experiências Boêmias em Copacabana nos Anos 50 Autora: Maria Izilda Santos de Matos Lançamento: Bertrand Brasil Quanto: R$ 18 (160 págs.)


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