São Paulo, segunda-feira, 27 de setembro de 2004

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O quinto elemento

João Wainer/Folha Imagem
Rappers, DJs, b-boys e grafiteiros da agência de hip hop Chocolate, que tem festa de lançamento hoje em SP


Onda em torno do rap e da cultura black leva DJs, MCs, grafiteiros e b-boys a se organizarem em agência

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Numa época em que estrelas do rap americano lotam estádios no Brasil, casas noturnas apostam suas fichas no gênero e a publicidade toma emprestadas as cores da cultura black, já se faz necessário acrescentar mais um aos tradicionais quatro elementos do hip hop: a agência de promoção.
Entra em cena a Chocolate Music, primeira agência nacional de hip hop, que reúne um time de MCs, DJs, grafiteiros e dançarinos b-boys do qual fazem parte o ex-Planet Hemp DJ Zé Gonzales, Nuts, Primo, Xis, Kamau, Marechal, Speto, Flip... Sua missão: mostrar "o verdadeiro hip hop".
"Essa moda que está aí agora não é o hip hop. É o rap comercial", sustenta o calejado Zé Gonzales, ou Zegon, que já carrega regularmente seu case de discos daqui para os EUA, onde é residente em um clube de Los Angeles.
"O Brasil é o país das modinhas. Agora falam que é a vez do rap. Mas quem está aparecendo é o Snoop Dog, o 50 Cent, não são os DJs que fazem scratch ou os b-boys que estão se matando no chão. O hip hop é a cultura das ruas. O rap é só a música", complementa o DJ Rodrigo Nuts, ex-O Rappa e atual parceiro de Zegon no projeto DZ Cuts.
Criada nos moldes das agências de DJs de eletrônica, responsáveis por catapultar a carreira de nomes hoje mundialmente reconhecidos, como Marky e Patife, a Chocolate Music coloca no ar um site (www.chocolatemusic.com.br) com descrição de cada um de seus artistas, trechos de músicas, agenda de shows, enfim, bota ordem na rotina da turma.
"Estamos tentando aproveitar este momento. Todo mundo aqui tem pelo menos dez anos de estrada. E nunca tivemos estrutura para fazer nada. Agora que aparece essa história não temos que ficar preocupados de não entrar nessa onda. Se for ajudar, vamos embora", afirma Rodrigo Cruz Lima, o Guigo, criador da nova agência.
Primo de Pil Marques, promoter do Hell's Club -lendário na cena clubber paulistana-, Guigo destaca a semelhança entre as duas culturas: "Eu vi o crescimento da música eletrônica até isso que temos hoje, com um Skol Beats que junta não sei quantas mil pessoas. Começou com o trance, que era mais fácil de assimilar, para depois entrarem outros estilos. E o hip hop está nesse estágio, com o comercial, que é mais bacana de todo mundo ver, ouro, jóia, mulher, carro".
"O que tem acontecido e que está ajudando os DJs de hip hop a se profissionalizarem é que de uns tempos para cá o rap tem enchido as mesmas casas que enchem em dia de eletrônica. Cobrando o mesmo preço de entrada", destaca Zegon, que em 2002 ajudou a colocar o hip hop na agenda noturna de São Paulo e no coração do bairro de Pinheiros com a festa Chocolate, no Mood.
Mais que nas casas noturnas, a onda hip hop também foi bater às portas das lojas de roupas da classe média alta. Se Marcelo D2 pode se apresentar para as madames da Daslu, por que não a masculina Mandi apoiar a festa de lançamento da Chocolate Music, que acontece hoje num galpão da Lapa? Homem paga "só" R$ 80, e mulher "só" R$ 50. Para entrar.
"Pode soar estranho estar num lugar elitizado. Mas quem está há vários anos fazendo um trabalho sério, quando tem chance de tocar com um bom som, num bom lugar, não vai ser radical. A gente quer expandir", diz Zegon.
Aproveitando a festa da agência -que nos planos tem ainda uma peça de teatro contando a história do hip hop e o lançamento do CD "Brazil in Time", em que DJs fazem dueto com grandes bateristas-, a Folha reuniu parte do grupo para um papo na cobertura de um prédio comercial em Campo Belo (zona Sul), onde fica a sede da Chocolate. A seguir, o que pensam os quatro elementos do hip hop sobre uma série de assuntos ligados à ascensão do hip hop, ou do rap, se preferir, hoje.

Moda

Guigo - O rap hoje é uma moda. E essa moda vai passar, como toda moda passa. Só que um público vai ficar, porque gosta dessa moda. Se estão começando a ouvir hip hop agora, e a única referência que eles têm é Tupac, Snoop e Eminem, não tem como comparar. Eles estão ocupando um espaço vazio, uma hora caem e surgem outros. É a pipoca do pop: faz pop e some, pop e some.

Nuts - O rap está ajudando meu trabalho de DJ. Fica mais acessível, estou tocando em mais festas. Se o rap está tão em evidência é porque a cultura está aí, mantida há muito tempo por gente anônima que está dançando, pintando, tocando.

Flip - Tem muito trabalho, mas muitas vezes o cara de uma marca grande gosta do conceito e quer fazer uma campanha com grafite. Aí chama alguém que sabe copiar bem. Os genéricos.

Guigo - Hoje, os b-boys têm ido a muitos testes de televisão. Vão lá, quebram tudo, mas não são aceitos porque a publicidade quer só um modelo que saiba rodar de costas no chão, e não o cara que faz bem, que tem o cotovelo, o ombro e o joelho arrebentados por praticar seis horas por dia.

Tecnologia

Zegon - DJ que toca com CD não é DJ de hip hop. Qualquer DJ de hip hop toca com vinil.

Primo - Eu não sou adepto. Sou toca-discos, vinil e agulha. Não adianta comprar todos os discos do momento, sair tocando e dizendo que é DJ de hip hop.

Flip - Eu me dou bem com a tecnologia. Comprei meu laptop agora e estou felizão.

Nuts - Tem mais gente fazendo música hoje só porque é fácil.

Kamau - Depende. Tem coisas que o computador faz por você que facilitam. Mas, se aprendemos a fazer fogo batendo uma pedrinha na outra, sabemos por que isso acontece num isqueiro ou num maçarico. É a mesma coisa com tecnologia. Se acontecer alguma coisa com o computador, a gente precisa saber fazer sem.

Indústria

Nuts - Antes tinha o vinil, aí inventaram o CD e falaram que vinil era porcaria. Acabaram com vinil, com as fábricas, todo mundo vendeu os discos e o CD imperou. Aí inventaram gravador de CD e a internet, que permite baixar música de graça. Acabaram com a indústria. Se um fã ama o artista, ele vai entender que se não comprar CD não está apoiando ele. Se você gosta de música, você consome.

Dubstrong - Eu acho bom isso. Essa coisa de MP3, apesar de eu não baixar, é legal porque sua música pode chegar a gente que você nem poderia imaginar.

Kamau - É bom para ter a informação em tempo real e conhecer coisas a que a gente não tinha acesso antes. Mas é ruim porque a tecnologia acaba com a arte, muita gente desiste por isso.

Soldierman - A indústria constrói, ela mesma destrói. É isso que está prejudicando o hip hop.
Panela

Guigo - Torço para que essa nossa panela aumente, mas não tem ainda volume de trabalho para isso. Não adianta ter um time de 60, em que só 20 trabalham.

Zegon - Sempre rolou no hip hop uma competição sadia. Como as batalhas de b-boy, as batalha de DJs. Mas não é briga. A gente vai nas festas dos outros.

Flip - Panela que faz comida boa.


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