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SHOW
Philips Music World reúne instrumentistas que fazem ponte entre continentes
Festival traz "música do mundo" sem ranços étnicos
CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nomes como o do cantor sul-africano Vusi Mahlasela, do pianista Ray Lema (da República do
Congo) ou do músico Foday Musa Suso (de Gâmbia) podem dar a
falsa impressão de um evento típico de "world music". Mas o Philips Music World Festival, que
acontece simultaneamente em
São Paulo e Rio de Janeiro a partir
desta quarta (veja a programação
ao lado), tem pouco a ver com
música étnica ou com a preservação de raízes musicais do Terceiro
Mundo.
A saxofonista canadense Jane
Bunnett, 47, ilustra bem uma tendência captada por esse festival
em seu elenco: músicos que procuram parceiros em outros continentes para desenvolver novas fusões sonoras, sem se apegarem a
raízes ou ranços étnicos. Conhecida na cena do jazz, Bunnett já realizou vários trabalhos com músicos de Cuba (vale ressaltar que
muito antes que o fenômeno Buena Vista Social Club transformasse a música cubana em febre
mundial). "Assim como estabeleci uma relação com o grupo Los
Jubilados, entre outros músicos
de Cuba, estes artistas que participam do festival também construíram suas relações. Mesmo sendo
músicos únicos, eles optaram por
unir forças, trocando influências
em um projeto comum", diz Bunnet à Folha, observando que poder participar de um evento com
esse conceito a faz se sentir "parte
de uma comunidade musical".
A saxofonista conta que descobriu a música cubana por acaso.
Ela e seu marido, o trompetista
Larry Cramer, foram a Cuba pela
primeira vez, em 1982, pensando
apenas em relaxar. "Não podíamos acreditar na abundância musical que encontramos, desde o
momento em que descemos no
aeroporto. Logo descobrimos a
existência de vários gêneros, sem
falar na alta qualidade dessa música", avalia.
Desde então ela já retornou dezenas de vezes a Cuba. Assim se
aproximou de inúmeros músicos
locais, com os quais gravou álbuns como "Spirits of Havana"
(1991), "Jane Bunnett and the Cuban Piano Masters" (1996), "Havana Flute Summit (1998) e "Alma de Santiago" (2001), que inaugurou sua parceria com Los Jubilados. Esse grupo de veteranos
músicos vem da província de Santiago de Cuba, um pólo cultural
da ilha que tem mais afinidade
com a música africana e caribenha do que a capital Havana.
Citando Charles Mingus e Rahsaan Roland Kirk como jazzistas
que a estimularam a incorporar
outras influências musicais, a saxofonista canadense diz que a
grande dificuldade ao se tentar
fundir tradições musicais diferentes está em manter a integridade
de cada uma. "Nenhuma delas
deve ser prejudicada. Isso não é
fácil, mas sabemos ser algo possível quando conhecemos trabalhos inspiradores, como os Dizzy
Gillespie".
Foi por acaso também que, em
meados dos anos 90, quando vivia
em Paris, Bunnett conheceu o
violonista paulista Filó Machado,
recém-instalado no apartamento
acima do seu. "Ele é um músico
brilhante", elogia a canadense,
que depois de conhecer alguns
sambas e choros de Machado gravou com ele e alguns músicos cubanos o álbum "Rendez-Vous
Brazil/Cuba" (1995), ainda inédito por aqui.
Comparando a cena musical de
seu país com as de Cuba e Brasil,
Bunnett acha que o fato de os cubanos e os brasileiros serem tão ligados à música cria melhores
condições para que os músicos
possam evoluir. "Não temos platéias tão educadas assim na América do Norte. Lá as pessoas não
ouvem nada que não esteja nos
dez primeiros lugares do "hit parade". Só conhecem o que aparece
na MTV ou nas revistas de celebridades, não têm gosto pessoal.
Isso é chocante", critica.
Fã da música instrumental brasileira, desde que a descobriu por
meio de discos de Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti, Bunnett
não esconde sua excitação ao falar
desses músicos. "Consegui ouvi-los num show duplo, em Toronto,
acho que em 1986. Como eu estava com meu flautim, tocamos um
pouco após o show. Naquela noite
não consegui dormir de tão elétrica que fiquei", relembra.
Outro encontro musical que reflete bem o conceito cosmopolita
do Philips Music World Festival é
do norte-americano Jack DeJohnnette, um dos melhores bateristas
de jazz na atualidade, com o africano Foday Musa Suso, virtuose
do kora, um tradicional instrumento de cordas originário da
África. Juntos os dois criam uma
música híbrida, que une o improviso do jazz com a beleza singela
das melodias africanas.
A intenção de fundir tradições
musicais de diferentes nacionalidades também marca a trajetória
do congolês Ray Lema. Desde o
início da década de 80, ao se radicar na Europa, ele já se uniu a músicos de diversos países e estilos
musicais, como o baterista pop
inglês Stuart Copeland, o jazzista
alemão Joachin Kuhn ou o grupo
vocal sul-africano Mahotella
Queens.
Carlos Calado é crítico musical e autor
de "O Jazz Como Espetáculo", entre outros livros.
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