São Paulo, sábado, 27 de setembro de 2008

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Artista descobre relações de sua obra com favela

Para Bracher, equilíbrio de toras em suas esculturas remete à organização dos barracos

Além das moradias em São Paulo, Bracher registrou habitações de parentes dos moradores da favela, em sete Estados do Nordeste


DA REPORTAGEM LOCAL

Do lado de fora do ateliê, as grandes esculturas de Elisa Bracher, com toras de madeira equilibradas umas nas outras, parecem um eco visual da organização improvisada dos barracos da favela da Linha. "É esse acúmulo, esse monte de madeira, estruturas meio caindo, uma se apoiando na outra", descreve Bracher. São palavras que servem de legenda para a própria obra e também para as casas da comunidade que circunda seu ateliê. "Eu percebi que meu trabalho não é tão abstrato assim, e que a fotografia, quando encontra essas linhas, também acaba tendo uma dimensão abstrata." Depois de trabalhar com gravura e escultura por mais de 20 anos e espalhar obras por espaços públicos de São Paulo, Rio e Berlim, Bracher diz ter descoberto que sua arte estava mesmo dentro dela. Isso porque enxergou na montanha de fotos que levou para a juíza as mesmas linhas carregadas e o mesmo peso da matéria que marcaram sua obra artística. E nessa primeira incursão pela fotografia, acabou transpondo todo o peso, a estrutura aparente de sua obra, também para a impressão. Sobre a superfície fosca dos retratos -pigmento mineral sobre papel-algodão-, ela parece reconstruir a textura das casas.

Miséria colorida
Só que, à diferença do resto de sua produção, surge nessas imagens uma gama de cores gritantes. Os moradores da favela da Linha, aliás, costumam dizer que só Bracher enxerga cores num lugar como a favela. "Eu vejo que todas as fotos têm muita cor, mas cuidei para não fazer nenhum tipo de apologia à miséria", afirma Bracher. E, talvez por isso, e também porque não consegue "ficar 100% no ateliê", ela percorreu mais de 6.000 km pelo Nordeste em busca das casas dos parentes dos moradores da favela da Linha para fazer outra metade da mostra. Tentando entender a origem da "desarrumação" que domina o espaço das vielas aqui, Bracher registrou no Nordeste as mesmas cores nas ripas de madeira e paredes de concreto, além das mesmas vontades. "Descobri que as pessoas vêm para São Paulo porque elas querem mundo, têm vontade de mundo", diz a artista. "Lá não tem nem placas nas ruas, enquanto aqui é um caos, mas não é lugar nenhum." A mesma dificuldade que enfrentou para encontrar os povoados ao longo de estradas desérticas de sete Estados nordestinos Bracher sentiu ao identificar os endereços na favela da Linha. Como diferentes órgãos do governo cadastram e numeram os barracos, é difícil saber que número, de fato, vale como endereço. "Parece boiada, que muda de dono", diz. E, mesmo que os retratos mostrem ruas mais espaçosas no Nordeste, os que migraram para São Paulo não querem voltar. Descobriram por aqui um lugar "bem menos solitário". (SILAS MARTÍ)

ELISA BRACHER
Quando: abertura hoje; de ter. a dom., das 10h às 18h; até 16/11
Onde: Museu da Casa Brasileira (av. Brig. Faria Lima, 2.705, tel. 0/xx/ 11/3032-3727; livre)
Quanto: R$ 4 (grátis aos domingos)



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