|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Em livro, críticos analisam trabalho à luz de Oiticica
DA REPORTAGEM LOCAL
Nas anotações deixadas por
Hélio Oiticica (1937-1980), havia uma frase de Goethe: "Não
há maneira mais segura de
afastar o mundo nem modo
mais seguro de enlaçá-lo do que
a arte". O artista, que encontrou o mote de sua obra na arquitetura da favela, em seus ninhos, tendas e penetráveis,
também buscou, no excesso de
realidade, um lastro para a arte.
Nas fotos que fez da favela da
Linha, Elisa Bracher não abriu
mão do mesmo peso do real. "A
proximidade dos objetos retratados não conduz, porém, à
perda de contato com a realidade das coisas", escreve o crítico
Rodrigo Naves no livro "A Cidade e Suas Margens" (ed. 34;
208 págs., R$ 84), que será lançado hoje, com a abertura da
exposição de mesmo nome, no
Museu da Casa Brasileira.
"Nunca perdemos de vista
que estamos diante de situações concretas, com existência
própria e concretude definida",
segue o raciocínio de Naves,
que também enxerga na nova
série de Bracher uma relação
clara com Oiticica e o registro
colorido do casario nordestino
feito por Anna Mariani.
Ele frisa, porém, que são distintos os mundos retratados
por Mariani e Bracher. Enquanto a primeira buscava nas
habitações populares um certo
fazer idílico do povo, uma pobreza digna e criativa, Bracher
mostra uma realidade "incompleta, fragmentária, invasiva".
E aí se dá a relação com Oiticica. "Talvez o grande problema desse recorrente interesse
da arte brasileira pelos pobres
esteja justamente aí: na impossibilidade de encontrar, pela
arte, uma saída redentora a
uma questão cujo excesso de
realidade está além do que a arte pode oferecer."
As fotografias da favela da Linha, na secura do registro e nas
cores sem brilho, são mais resultado da empatia da artista
do que de uma crítica. Bracher
convive há 13 anos com os moradores da favela e não retrata
esse povo como vítima do sistema, mas como protagonistas de
uma fricção.
Seria, nas palavras de Naves,
"a impossibilidade de o trabalho dessas pessoas dar conta de
afeiçoar o mundo e torná-lo um
lugar em que a vida possa se desenvolver a contento".
No mesmo livro, aliás, o arquiteto Fábio Valentim enxerga na organização dos barracos,
nessa tentativa de afeiçoar o
mundo, a mesma proximidade
plástica com a obra de Bracher
que ela mesma notara depois
de ver as fotos que fez.
Como não há janelas de vidro
nos barracos, ficam sem reflexo
os retratos. "Quase que se pode
sentir nessa opacidade densa a
espessura, fato que remete à
formação de gravurista da artista", escreve Valentim.
Naves completa que, na "tensão entre apoio e instabilidade,
solidez e desequilíbrio", Bracher leva a uma "compreensão
mais aguda do mundo".
(SM)
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Fundação Bienal diz apoiar curador Índice
|