São Paulo, sábado, 27 de setembro de 2008

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Em livro, críticos analisam trabalho à luz de Oiticica

DA REPORTAGEM LOCAL

Nas anotações deixadas por Hélio Oiticica (1937-1980), havia uma frase de Goethe: "Não há maneira mais segura de afastar o mundo nem modo mais seguro de enlaçá-lo do que a arte". O artista, que encontrou o mote de sua obra na arquitetura da favela, em seus ninhos, tendas e penetráveis, também buscou, no excesso de realidade, um lastro para a arte.
Nas fotos que fez da favela da Linha, Elisa Bracher não abriu mão do mesmo peso do real. "A proximidade dos objetos retratados não conduz, porém, à perda de contato com a realidade das coisas", escreve o crítico Rodrigo Naves no livro "A Cidade e Suas Margens" (ed. 34; 208 págs., R$ 84), que será lançado hoje, com a abertura da exposição de mesmo nome, no Museu da Casa Brasileira.
"Nunca perdemos de vista que estamos diante de situações concretas, com existência própria e concretude definida", segue o raciocínio de Naves, que também enxerga na nova série de Bracher uma relação clara com Oiticica e o registro colorido do casario nordestino feito por Anna Mariani.
Ele frisa, porém, que são distintos os mundos retratados por Mariani e Bracher. Enquanto a primeira buscava nas habitações populares um certo fazer idílico do povo, uma pobreza digna e criativa, Bracher mostra uma realidade "incompleta, fragmentária, invasiva".
E aí se dá a relação com Oiticica. "Talvez o grande problema desse recorrente interesse da arte brasileira pelos pobres esteja justamente aí: na impossibilidade de encontrar, pela arte, uma saída redentora a uma questão cujo excesso de realidade está além do que a arte pode oferecer."
As fotografias da favela da Linha, na secura do registro e nas cores sem brilho, são mais resultado da empatia da artista do que de uma crítica. Bracher convive há 13 anos com os moradores da favela e não retrata esse povo como vítima do sistema, mas como protagonistas de uma fricção.
Seria, nas palavras de Naves, "a impossibilidade de o trabalho dessas pessoas dar conta de afeiçoar o mundo e torná-lo um lugar em que a vida possa se desenvolver a contento".
No mesmo livro, aliás, o arquiteto Fábio Valentim enxerga na organização dos barracos, nessa tentativa de afeiçoar o mundo, a mesma proximidade plástica com a obra de Bracher que ela mesma notara depois de ver as fotos que fez.
Como não há janelas de vidro nos barracos, ficam sem reflexo os retratos. "Quase que se pode sentir nessa opacidade densa a espessura, fato que remete à formação de gravurista da artista", escreve Valentim.
Naves completa que, na "tensão entre apoio e instabilidade, solidez e desequilíbrio", Bracher leva a uma "compreensão mais aguda do mundo". (SM)



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