São Paulo, domingo, 27 de setembro de 2009

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

O banquinho de um pé só

Aos 85 anos, Cleyde Yáconis ganha um teatro com seu nome, fala sobre a paixão pela irmã Cacilda Becker e diz que até Michael Jackson será esquecido

Fotos Patricia Stavis/Folha Imagem
A atriz na chácara em Jordanésia, onde foi morar depois de perder a mãe e as irmãs: "Nós éramos um banquinho de quatro pernas. Eu hoje tô me aguentando"

"Essa sou eu, me exponho e me escondo", diz a dedicatória na foto que Cleyde Yáconis deu ao produtor teatral Fernando Cardoso. Em "troca", Fernando deu o nome da atriz a uma casa de espetáculos no bairro do Jabaquara, em SP. A cerimônia de mudança, de teatro Cosipa Cultura para teatro Cleyde Yáconis, acontece na terça-feira. Entre os dias 2 e 5, ela se apresenta no local com a peça "O Caminho para Meca".

 

Aos 85 anos, a atriz está em um salão de beleza na Vila Madalena, em SP, colocando "megahair" para compor a personagem. Dói? "Sei lá, dá um puxãozinho. Injeção dói?", indaga.

 

"Muito feliz com a manifestação", numa época em que casas ganham nomes de empresas e bancos, a atriz não anda tão contente com a situação do teatro no país. "Quando comecei no TBC [Teatro Brasileiro de Comédia], em 1950, fazíamos dez sessões por semana. Hoje, são dez por mês." Ela reclama de falta de público e não concorda que a razão para a fuga das plateias seja o preço dos ingressos. "Os restaurantes estão cheios. A pizza de sábado entra no orçamento da casa, e o teatro não. É uma opção: ou você satisfaz o estômago, ou o intelecto." Cleyde satisfaz o estômago com um sanduíche enquanto espera a cabeleireira. Prefere comer antes da entrevista? "Prefiro acabar logo."

 

E levanta hipóteses para as dificuldades do teatro. "O relacionamento humano hoje é através da máquina. E o teatro é uma comunicação de gente pra gente." Irmã de Cacilda Becker (1921-1969), ícone das artes dramáticas, e prestes a completar 60 anos de teatro, Cleyde sentencia: "É melancólico, mas o mundo não é mais pra mim".

 

Além da peça, com a qual viaja pelo país apesar do medo de avião, Cleyde avalia um roteiro de cinema, aguarda o texto de uma próxima montagem, vai ser personagem de um documentário e já tem papel garantido na próxima novela das oito da Globo. "É incrível, né? Com 85 anos!", afirma ela, de calça jeans, sapatilha xadrez e blusa azul, enquanto segura no braço da repórter.

 

Cleyde acha a TV "mais superficial" que o teatro, mas diz que "mesmo que a novela seja fraca, eu tento fazer com dignidade". Na trama global, sua personagem será sogra de outra dama dos palcos, Fernanda Montenegro. "A gente se dá muito bem. Mas nunca trabalhamos juntas em teatro, onde os laços são mais sólidos. As coxias aproximam mais os atores do que a sala de espera da TV."

 

Dos amigos de coxias, ela lembra três que se foram nos últimos anos e dos quais sente muita falta: Paulo Autran, Raul Cortez e Francarlos Reis. "Foram perdas lamentáveis. Todos homens, né? As mulheres se cuidam mais. Como a mulher é a fonte da vida, já tem uma formação [de se cuidar] pra tomar conta da cria."

 

Cleyde não tem filhos. "E não me arrependo. Nessas alturas, eu seria avó. E uma avó muito chata. Os netos não querem mais avós, que só servem pra tomar conta de neném enquanto as mães badalam. Pra que ter netos, se não é pra ser amada?"

 

Foi casada com o ator Stênio Garcia de 1958 a 1969, quando morreu a irmã Cacilda. Nunca pensou em se casar de novo? "Nãaao." Foi tão ruim assim? "Foi. Só isso. Chega." Diz que não houve homem importante em sua vida. O pai "chutou" a família quando ela tinha quatro anos. Importantes mesmo eram a mãe, Alzira, e as irmãs Cacilda e Dirce, já mortas. "Éramos as quatro sozinhas no mundo. Nós éramos um banquinho de quatro pernas. Eu hoje tô me aguentando. Uma perna só não sustenta o banco."

 

A atriz entrega ao produtor e amigo Fernando um presente. É um CD gravado com a voz de Cacilda Becker.

 

Na hora de contar como começou no teatro, substituindo uma atriz que ficou doente e na cola da irmã mais velha, que já atuava, Cleyde diz que nunca houve competição entre elas. "Era amor, amor, amor, amor...", diz. "A gente se beijava, se abraçava, era paixão. Hoje, as meninas querem sair de casa aos 15 anos. Nós não queríamos sair de casa. Nós tínhamos que nos ver todos os dias."

 

Quarenta anos depois da morte da irmã, Cleyde acha que ela é até bem lembrada. "O povo esquece logo, mas não só dela. Passa a emoção e... eles esquecem. Daqui a dez anos, vão dizer "você já ouviu falar de Michael Jackson?" [e alguém vai responder] "Quem?'"
Depois da morte de Cacilda e da separação, Cleyde foi morar com a mãe no Jabaquara. Quando ela morreu, há cerca de 20 anos, não quis ficar na casa -"estava entranhada com a presença dela"- e se mudou para Jordanésia, distrito de Cajamar (41 km da capital). O terreno já era dela desde os tempos do TBC. O dono original decidiu vender os lotes apenas para os atores do grupo. Todos entraram no empreendimento: Cacilda Becker, Walmor Chagas, Nídia Lycia. Mas só Cleyde e seu vizinho Armando Paschoal conseguiram quitar as prestações. Estão lá até hoje.

 

Na chácara, Cleyde leva os convidados para provar frutas, ver as flores no jardim e os licores na cozinha, de jabuticaba, jenipapo... "Assim vão pensar que só se bebe aqui", diz Dadá, "irmã preta" da atriz, na família há 59 anos e sua principal companhia junto com as poodles Morena e Belinha.

 

A atriz não bebe. Deixou o cigarro, que fumou por 40 anos. Faz academia e mantém há meio século o mesmo peso: 52 quilos. Diz que aprendeu que "as coisas benéficas da idade são todas interiores. O corpo é que é o problema". Desistiu de bater a cabeça com algumas "questões insolúveis": perder o cabelo e ficar mais lenta para tarefas "como calçar meia". "Tenho que me acostumar."

 

Da morte, diz não ter medo. Queria apenas morrer na cama, "pra poder me despedir dos amigos". Com calma, Cleyde dá a entender que chegou a hora de as visitas partirem. Diz que tem de ir ao banco, se aproxima do portão. E avisa que não está sozinha, não. "Eu preencho [a solidão] com as minhas lembranças." Até com um outro tipo de felicidade é preciso se acostumar. "Eu era euforicamente feliz. Hoje, eu sou serenamente feliz. Muda a cor, muda o tom da felicidade."

Reportagem ADRIANA KÜCHLER



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