São Paulo, domingo, 27 de setembro de 2009

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Cauby canta Roberto

"Canto os problemas dos outros, não os meus. O ciúme, o amor que acaba", diz Cauby; sobre o Rei, afirma: "Sempre foi meu fã'

Fotos Marlene Bergamo/Folha Imagem
Cauby no estúdio de gravação em Moema; ao fundo, à dir., antigo especial de TV em que ele e Roberto fazem "Conceição"

MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Sentado em frente ao microfone, Cauby Peixoto corre os olhos pelo papel branco onde as letras das canções estão impressas em letras grandes. Abre sua boca e a voz faz o resto. Sozinha, como se não lhe pertencesse. Como se não importasse o que ele próprio, seu dono, pensa ou sente. Como se não estivesse amarrada em sua garganta, nem dela dependesse.
Terça-feira (passada), dez da noite. Cauby e sua voz estão em um estúdio em Moema, São Paulo, gravando as quatro primeiras faixas do próximo álbum dos dois -dele e da voz-, que deve chegar às lojas já em novembro. O repertório, que ele lê e ela canta em tom mais grave do que o habitual, é velho conhecido dos dois. E do Brasil.
Na ordem do dia: "Sentado à Beira do Caminho", de Roberto Carlos e Erasmo Carlos; "Não se Esqueça de Mim", da mesma dupla; "De Tanto Amor", idem; e "A Volta", também de Roberto e Erasmo. São igualmente de Roberto e Erasmo as outras oito que serão gravadas na semana que vem (veja quadro), em mais duas sessões de estúdio.
Há 16 anos isso não acontecia. Desde o álbum "As Canções que Você Fez pra Mim", lançado por Maria Bethânia em 1993, Roberto não autoriza outro artista -além de Erasmo, é claro- a fazer um álbum dedicado integralmente ao seu cancioneiro. Antes de Bethânia, vieram Nara Leão, em 1978, e a desconhecida Sonia Mello, em 1979. Depois, ninguém mais.
Não era impossível, portanto, que Cauby fosse impedido de fazer o seu. Mas as negociações foram incrivelmente simples. Assim que teve a ideia, o produtor Thiago Marques Luiz foi, não sem certa apreensão, atrás da liberação do Rei. A resposta -um "sim"- veio em menos de uma semana.

Pedidos
"Roberto é um homem muito bom. Sempre foi meu fã", diz Cauby, encontrando uma explicação para a rapidez desse processo. Só dois pedidos foram feitos pelo compositor.
Um: que, em vez da pré-selecionada "Você Não Sabe", Cauby cantasse "Olha". Desejo atendido, ficou de fora a única canção do disco que iria além da década de 70. Dois: de "Cauby Canta Roberto", sugeriu que o nome do álbum mudasse para "Cauby Interpreta Roberto".
"Eu entendi na hora o que ele queria", diz a voz. E completa, assim mesmo, em terceira pessoa: "Cauby é intérprete. Por isso, para falar dele é melhor usar "interpreta" que "canta". Claro!".
Não foram necessários mais do que 60 minutos para que as quatro faixas estivessem gravadas. Em três delas, Cauby conseguiu a versão definitiva logo no primeiro take, sem precisar repetir nada.
"Olha a presença do grave", diz sobre a própria voz aos técnicos que estão em volta, ouvindo com ele o resultado desse primeiro dia de trabalho. "Menino, não é que eu estou gostando?", revela. "A modulação está ótima!", espanta-se. "E a dicção? Não achou clara?", pergunta, e já emenda: "Clara! Olha só como eu digo esse "esperança". Olha a voz...".
De fato, não parece que será necessário nenhum trabalho de pós-produção (as tais "correções", tão comuns em gravações de novos artistas) para que a voz resulte afinada ao consumidor final do disco. Ela já saiu assim da fonte: limpa, precisa e moderadamente emocionada.
Neste caso específico, o "moderadamente" conta como um bônus, um elogio extra. Indica que ficaram de fora os exageros de outros tempos -aqueles que acabavam por tornar a música pouco íntima, menos natural.
"Ensaio muito comigo mesmo, em casa. Passo as noites cantando e me ouvindo cantar. Aprendo tudo comigo", conta. "Minha voz só melhora por isso: cuido bem dela. Não fumo, não bebo e não discuto."
Quando lançou, em 1995, um álbum dedicado ao repertório de Frank Sinatra, Cauby diz ter ouvido muitas vezes que sua voz era ainda mais bonita que a do americano. "Logo eu, um fã de Sinatra", inverte, modesto.
"Sou muito diferente dele, tenho minhas próprias maneiras de impressionar. Canto uma melodia conhecida de uma forma diferente, subindo para o agudo. As pessoas me olham espantadas e dizem: "Que voz!"."

Escolhas
Pinçar 12 canções das centenas compostas por Roberto nem foi tão difícil. Com todos os discos do compositor nas mãos, Thiago escolheu 40 músicas que, ele intuía, combinavam com Cauby. Levou para a casa do cantor e passaram um sábado inteiro ouvindo.
"Nessa eu não vou", Cauby apontava para o computador sempre que encontrava algum verso com o qual não se identificava. E pulavam para a próxima. Assim, foram eliminadas "O Côncavo e o Convexo", "Sua Estupidez" e "Amada Amante".
Cauby nem sabe definir ao certo quais critérios usa para escolher cada música. Mas garante que elas não vêm como resposta a sentimentos particulares. "Canto os problemas dos outros, não os meus. O ciúme, o amor que acaba -mas sempre o dos outros", diz. "Não conto histórias da minha vida, apenas o que está de acordo com meu estilo de cantar." Pois é. Ficou claro que é ela, a voz, quem manda nessa relação.

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