São Paulo, sábado, 27 de outubro de 2007

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Crítica/"O Romance Morreu"

Fonseca exibe lado íntimo em coletânea

"O Romance Morreu" reúne textos publicados na internet e traz relatos do dia-a-dia do autor mineiro radicado no Rio

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Com o declínio da prática da crônica no jornal, sem falar da morte do folhetim em periódicos, o gênero hoje encontrou outro suporte em blogs e sites, nos quais os escritores têm a oportunidade de dar vazão a suas impressões, críticas e reminiscências. Muitos desses escritores, como também ocorre, não ficam satisfeitos com a base eletrônica e depois publicam esses apontamentos em livro.
É o caso de "O Romance Morreu". Este último livro de Rubem Fonseca deriva sobretudo de textos escritos para seu site, ancorado no Portal Literal (portalliteral.terra.com.br/rubem-fonseca). Com curadoria de Heloísa Buarque de Holanda, este portal hospeda sites, entre outros, de Lygia Fagundes Telles, Zuenir Ventura e Ferreira Gullar.
Para a publicação, inseriram-se ligeiras modificações, cortes (como no texto "Cinema e Literatura") e mudanças de título (o texto que dá nome a este volume chama-se "A Literatura de Ficção Morreu?" no site).
Pena que nem sempre haja rigor na revisão, como em "Rosalía de Castro", que teria se beneficiado de maior ajuste para ir ao prelo.
Dois aspectos logo saltam à vista. Primeiro, é o fato de Fonseca, em geral um escritor arredio, exibir um lado, digamos, mais íntimo (quem sabe seu "lado B", como se diz no site?).
Neste livro ele descreve sua briga para salvar uma árvore em uma praça do Rio, seus percalços em Berlim na época da derrubada do Muro, seu fraco por ler e armazenar bulas de remédio. Um pouco do cotidiano do autor, estampado no meio virtual, espalha-se pelas páginas deste livro.
O melhor exemplo desse mergulho no "eu" está em "José - Uma História em Cinco Capítulos", uma reminiscência em terceira pessoa sobre a infância do autor em Juiz de Fora, onde nasceu, e no Rio de Janeiro, para onde se mudou aos oito anos de idade.
A desconfiança com o gênero memorialístico pode ter levado ao emprego da terceira pessoa. José, diz o narrador, "sabe que todo relato autobiográfico é um amontoado de mentiras -o autor mente para o leitor e mente para si mesmo". O disfarce é tênue, pois o personagem tem o mesmo primeiro nome do escritor, José Rubem Fonseca, chamado, aliás, de Zé Rubem pelos amigos.

"Belo horrível"
É na cidade grande que o garoto deixa de lado a imagem da Paris dos folhetins que abrasava sua imaginação e compreende a dimensão do "belo horrível", ao ver o incêndio que destruiu o maior "magazine" carioca da época, o Parc Royal. E aí se chega ao segundo ponto: em "O Romance Morreu" há um arrefecimento desse "belo horrível" -da violência, do humor cáustico e da descrição crua de suas narrativas mais famosas. Decerto se fala de onanismo, dos atributos eróticos de esculturas paleolíticas e até dos crimes de Jack, o Estripador, mas, mesmo nesses casos, o caráter medonho vem amainado por outras considerações (o ponto de vista mais plácido do autor?).
Algumas das melhores crônicas saíram na imprensa antes de figurar no site, como "A Pornografia Começou com a Vênus de Willendorf?" (revista "Status"), "O Som e a Fúria" ("Jornal do Brasil") e "Primeiras Lembranças de Nova York" (novamente na "Status"), em que Fonseca descreve a cidade onde morou em 1953.
Foi no bar do hotel Chelsea, em Nova York, que o brasileiro conversou com o poeta galês Dylan Thomas. Na madrugada desse dia, o poeta seria levado ao hospital, onde viria a morrer. Fonseca percebe, sob a tensão e os gestos violentos do interlocutor, um cerne vulnerável. É justamente esse núcleo mais caroável que o leitor encontra, aqui e ali, neste livro.


O ROMANCE MORREU
Autor: Rubem Fonseca
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 37 (200 págs.)
Avaliação: bom



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