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Crítica/"O Romance Morreu"
Fonseca exibe lado íntimo em coletânea
"O Romance Morreu" reúne textos publicados na internet e traz relatos do dia-a-dia do autor mineiro radicado no Rio
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Com o declínio da prática da crônica no jornal,
sem falar da morte do
folhetim em periódicos, o gênero hoje encontrou outro suporte em blogs e sites, nos quais os
escritores têm a oportunidade
de dar vazão a suas impressões,
críticas e reminiscências. Muitos desses escritores, como
também ocorre, não ficam satisfeitos com a base eletrônica e
depois publicam esses apontamentos em livro.
É o caso de "O Romance
Morreu". Este último livro de
Rubem Fonseca deriva sobretudo de textos escritos para seu
site, ancorado no Portal Literal
(portalliteral.terra.com.br/rubem-fonseca). Com curadoria de Heloísa Buarque de
Holanda, este portal hospeda
sites, entre outros, de Lygia Fagundes Telles, Zuenir Ventura
e Ferreira Gullar.
Para a publicação, inseriram-se ligeiras modificações, cortes
(como no texto "Cinema e Literatura") e mudanças de título
(o texto que dá nome a este volume chama-se "A Literatura
de Ficção Morreu?" no site).
Pena que nem sempre haja rigor na revisão, como em "Rosalía de Castro", que teria se beneficiado de maior ajuste para
ir ao prelo.
Dois aspectos logo saltam à
vista. Primeiro, é o fato de Fonseca, em geral um escritor arredio, exibir um lado, digamos,
mais íntimo (quem sabe seu
"lado B", como se diz no site?).
Neste livro ele descreve sua
briga para salvar uma árvore
em uma praça do Rio, seus percalços em Berlim na época da
derrubada do Muro, seu fraco
por ler e armazenar bulas de
remédio. Um pouco do cotidiano do autor, estampado no
meio virtual, espalha-se pelas
páginas deste livro.
O melhor exemplo desse
mergulho no "eu" está em "José - Uma História em Cinco Capítulos", uma reminiscência
em terceira pessoa sobre a infância do autor em Juiz de Fora, onde nasceu, e no Rio de Janeiro, para onde se mudou aos
oito anos de idade.
A desconfiança com o gênero
memorialístico pode ter levado
ao emprego da terceira pessoa.
José, diz o narrador, "sabe que
todo relato autobiográfico é
um amontoado de mentiras -o
autor mente para o leitor e
mente para si mesmo". O disfarce é tênue, pois o personagem tem o mesmo primeiro
nome do escritor, José Rubem
Fonseca, chamado, aliás, de Zé
Rubem pelos amigos.
"Belo horrível"
É na cidade grande que o garoto deixa de lado a imagem da
Paris dos folhetins que abrasava sua imaginação e compreende a dimensão do "belo horrível", ao ver o incêndio que destruiu o maior "magazine" carioca da época, o Parc Royal.
E aí se chega ao segundo ponto: em "O Romance Morreu" há
um arrefecimento desse "belo
horrível" -da violência, do humor cáustico e da descrição
crua de suas narrativas mais famosas. Decerto se fala de onanismo, dos atributos eróticos
de esculturas paleolíticas e até
dos crimes de Jack, o Estripador, mas, mesmo nesses casos,
o caráter medonho vem amainado por outras considerações
(o ponto de vista mais plácido
do autor?).
Algumas das melhores crônicas saíram na imprensa antes
de figurar no site, como "A Pornografia Começou com a Vênus
de Willendorf?" (revista "Status"), "O Som e a Fúria" ("Jornal do Brasil") e "Primeiras
Lembranças de Nova York"
(novamente na "Status"), em
que Fonseca descreve a cidade
onde morou em 1953.
Foi no bar do hotel Chelsea,
em Nova York, que o brasileiro
conversou com o poeta galês
Dylan Thomas. Na madrugada
desse dia, o poeta seria levado
ao hospital, onde viria a morrer. Fonseca percebe, sob a tensão e os gestos violentos do interlocutor, um cerne vulnerável. É justamente esse núcleo
mais caroável que o leitor encontra, aqui e ali, neste livro.
O ROMANCE MORREU
Autor: Rubem Fonseca
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 37 (200 págs.)
Avaliação: bom
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