São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

DEPOIMENTO

Imaginava só uma editora feita de livros que eu gostaria de ler

LUIZ SCHWARCZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Fiquei desempregado por pouco tempo. Quando decidi deixar a Brasiliense, quis antes ver se havia no mercado editorial alguma proposta mais tentadora do que a editora que já sonhava criar.
Balancei quando Jorge Zahar me propôs sociedade, chamando-me para trabalhar com ele na editora recém-criada. Eu adorava o Jorge, mas achava que nossos perfis poderiam conflitar.
Jorge era cauteloso e pessimista. Eu carregava comigo pouca cautela e um otimismo que meus 30 anos ainda não conseguiam inibir.
Resolvi seguir meu caminho. Precisava avisar alguns autores, agentes e me mexer: conseguir títulos rapidamente. Pensava numa editora pequena, mas estável. Produzindo todo mês.
Novidadeira para a imprensa, constante para o livreiro e para o público leitor. Achei que tinha que começar com mais de um título para chamar atenção.
Decidi por quatro no primeiro mês, logo também por quatro a cada mês, durante o primeiro ano. Depois disso eu tentaria crescer. Assumi esse compromisso comigo mesmo. Se falhasse, eu deixaria de me considerar um editor sério.
Falei com muitos autores e com colegas que conhecera na Brasiliense, principalmente graças ao ambiente fértil do "Leia Livros", jornal que Caio Graco fundara pouco antes do meu estágio na sua editora.
Rodrigo Naves foi um deles. Lembro que fomos tomar um caju amigo no Pandoro, para que eu lhe contasse sobre meus planos. Rodrigo vibrava e falava alto, antevendo um futuro promissor para a editora, ainda sem nome.
As palavras que usou eu não teria coragem de repetir, nem 25 anos depois. Ainda me soam exageradas, mas me deixaram muito feliz. José Paulo Paes foi outro que me acolheu efusivamente.
Passei várias tardes em sua casa no Brooklin, e em uma delas José Paulo até arriscou um nome para a jovem editora: Letras e Companhia.
Na próxima reunião que tivemos, levei-lhe a sugestão do título invertido, já com a ideia inicial do logo: uma caravela. Muitos livros do nosso catálogo saíram dos meus encontros com Zé Paulo, que, além de tradutor e poeta, havia sido memorável editor na Cultrix.
Pedi um livro dele, para começar. Seria meu amuleto, eu lhe disse. Perguntei se traduziria W. H. Auden.
Falei do prazo e Zé Paulo topou. Propôs dividir a tarefa com João Moura, já que não daria conta de tudo sozinho, no prazo necessário.
Poucos se lembram que a editora não começou apenas com "Rumo à Estação Finlândia". Com o tempo, o sucesso do livro de Edmund Wilson deixou a impressão de que havia sido aquela a primeira publicação isolada da Companhia das Letras.
Eu mesmo ajudei a formar o mito. Talvez tenha me acomodado com a fama de ter acertado em grandes proporções logo no primeiro livro.
Mas, além da coletânea bilíngue de poemas do grande poeta inglês da qual José Paulo se incumbiu, publicamos na primeira fornada o romance "A Graça de Deus", de Bernard Malamud, e o livro de ensaios e traduções de Augusto de Campos "O Anticrítico". As quatro primeiras edições esgotaram-se em poucos dias, ou semanas.
Wilson voou longe, encabeçou a lista de mais vendidos por meses e ajudou a espalhar a fama da jovem editora pelo mundo. Afinal, um best-seller tão inesperado, mais ainda no Brasil, chamava mesmo a atenção.
Editei muitos outros livros de José Paulo, que, como Jorge Zahar, foi um dos muitos pais que a vida me deu.
Edmund Wilson também continuou a ser publicado por nós, mas sem o mesmo êxito. O mesmo ocorreu com Malamud.
Muitas pessoas vislumbraram um sucesso maior do que eu para a pequena editora que começava sua vida em outubro de 1986.
Eu imaginava apenas uma editora sem grandes encalhes, feita de livros que eu mesmo gostaria de ler.
Posso dizer que Rodrigo Naves e Zé Paulo Paes representam aqui os amigos e autores que me acompanharam desde então. Agradeço a todos comovido, querendo viver tudo isso outra vez, desde o começo.

LUIZ SCHWARCZ é fundador e editor da Companhia das Letras



Texto Anterior: Companhia das Letras, 25, aposta em seleção brasileira
Próximo Texto: Contardo Calligaris: Teorias conspiratórias (e histéricas)
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.