São Paulo, segunda, 27 de outubro de 1997.




Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Coral de prisioneiras é tema de 'Canto'

ADRIANE GRAU
enviada especial a Menlo Park

Assim como a personagem de Glenn Close em "Um Canto de Esperança", que passa hoje na Mostra, Helen Colijn, 75, afirma que teve a alma acariciada pelas vozes do coral de mulheres formado num campo de prisioneiras em Sumatra durante a Segunda Guerra.
Capturada pelos japoneses aos 21 anos, quando o navio em que escapava da Indonésia naufragou, ela acabou passando três anos no campo junto com as duas irmãs, que na época tinham 16 e 20 anos.
"Quando fui libertada em agosto de 1945, pesava 45 kg e estava amarela por causa da malária", afirma ela, que tem 1,77 m de altura. "Nem lembro como a partitura foi parar entre nossos pertences."
Atualmente morando em Menlo Park, ela doou à vizinha Universidade de Stanford em 1981 as notas da "Sinfonia do Novo Mundo", de Dvorak, que haviam sido transcritas a mão por Margaret Dryburgh e Norah Chambers. Juntas elas lideravam as vozes do coral formado por 30 mulheres em 1943, após três anos de cárcere.
"Mas o coral só durou um ano, pois as mulheres iam morrendo aos poucos", diz Colijn, que nunca cantou com o grupo. "Desde criança haviam me convencido que eu não tinha voz para cantar."
Ela escreveu sua história no livro "Song of Survival: Women Interned" em 1995, publicado na Holanda e nos EUA. Segundo Colijn, ela e as irmãs sobreviveram graças ao treinamento físico imposto pelo pai. "Vivíamos em luxo, pois ele gerenciava uma empresa extratora de petróleo."
As partituras foram guardadas por sua irmã Antoinette, que fazia parte do coral, até serem doadas a Stanford. "Ela vive em Washington e percebeu que o papel estava começando a se desfazer", diz ela. "Não queríamos que a memória se perdesse."
Segundo ela, "Um Canto de Esperança" não é um retrato muito fiel do que se passou com os 100 mil prisioneiros mantidos em Sumatra durante a guerra. "É uma versão hollywoodiana da história e exagera os fatos", diz ela. "Mas o importante é a música, que são as vozes reais."
Parte de suas críticas vão para os conflitos étnicos que colocam britânicas e holandesas em facções opostas. "Holandesas e britânicas se tornaram amigas, trocamos cartas durante anos", diz ela. "Haviam diferenças culturais, como as britânicas colocando a roupa embaixo do colchão à noite para não vestir linho amassado e insistindo para as crianças usarem os talheres corretamente."
Para Colijn, as diferenças acabavam aí. "Exceto pelas duas mulheres que compuseram a música, não havia nenhuma liderança, éramos todas iguais", lembra ela. "Algumas coisas não dava para mostrar, como por exemplo como era grande nossa fome e quanto nos sentíamos isoladas", diz ela.
"Grande parte da brutalidade não era física, não era visual; mas num filme você precisa mostrar violência para as pessoas acreditarem que estava acontecendo."

Onde: Masp 1 - Grande Auditório, hoje, às 18h40


Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.