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MÚSICA
Roberto e Erasmo adentram galeria Shell da MPB
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial ao Rio de Janeiro
Roberto Carlos e Erasmo Carlos
receberam anteontem à noite, no
teatro João Caetano, no Rio, mais
um naco do que lhes cabe nesse latifúndio chamado MPB. Após um
show de quase 2h30, foram agraciados com o 17º Prêmio Shell para
a Música Popular Brasileira.
O prêmio é oferecido anualmente a um contribuinte eleito por um
corpo de jurados por sua importância no cenário MPB. Com Roberto e Erasmo, a coroa vai, pela
primeira vez, a uma dupla.
Antes, levaram o mimo Pixinguinha, Tom Jobim, Dorival
Caymmi, Luiz Gonzaga, Braguinha, Milton Nascimento, Herivelto Martins, Chico Buarque, Caetano, Gil, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Jorge Ben Jor, Edu
Lobo, Baden Powell e Rita Lee.
O show -ou melhor, dois shows
separados mais duetos de "Jesus
Cristo" e "Amigo"- poderia corroborar a noção de que o Shell sucumbe à música popular mais popularesca. Mas não -o tributo a
Roberto e Erasmo é mais que justo.
A mais óbvia das razões é o alcance da jovem guarda dos anos 60
até hoje. A segunda foi levantada
por Erasmo, ao apresentar "Sentado à Beira do Caminho", lembrando quantos bebês foram concebidos ao som do standard.
Pois é. Roberto e Erasmo são tão
importantes que roubam de qualquer brasileiro o privilégio de se
sentir especial por ter como trilha
particular uma de suas canções
-são tantos os que amaram ou fizeram descobertas cruciais ao som
de um daqueles clássicos que o
"privilégio" é só vala comum.
A menos óbvia das razões Erasmo lembrou ao cantar "Filho Único": eles foram, nos anos 70, no
além-jovem guarda, os introdutores não da moda romântico-brega,
mas da música negra de raiz norte-americana no Brasil.
Havia Tim Maia, Cassiano,
Hyldon. Mas foi Erasmo quem solidificou o rock'n'soul nacional,
cantando "Filho Único", "Sou
uma Criança, Não Entendo Nada", "De Noite na Cama".
Quanto a Roberto, dizem que
Marc Bolan e David Bowie modelaram o soul branco. Bobagem.
Antes deles, Roberto já destruía
corações cantando "Sua Estupidez", "Ana", o hino gospel "Jesus
Cristo", "Todos Estão Surdos"...
Todas eram canções-filhas de
"Quero Que Vá Tudo pro Inferno" (65), que, queira ou não a superstição de Roberto, é o hino que
levará a dupla à posteridade.
Por enquanto, isso é passado.
Vê-los em show hoje é ceder à evidência de que eles próprios se levam a sério só na medida de salvaguardar a fidelidade eterna dos fãs.
Pois Erasmo ainda treme -e erra os versos- quando tem que
cantar em duo com Roberto. Age
como um funcionário seu, não o
amigo que aquele ritual hipócrita
de sempre tenta vender, não o
co-autor da grandeza de Roberto.
E este, por sua vez, age como se o
exibicionista inchado de fama fosse mais relevante que o que ele é
-um dos três maiores cantores
vivos do país, quaisquer que sejam
os outros dois.
Canta divinamente castelos
kitsch como "Cavalgada", mas sabota a si mesmo ao delongar sílabas, arrastar vogais, mirabolar só
para fazer charminho.
Aí parece que o tal Shell é só saudosismo -e não é. Pensassem
mais em arte e menos em manutenção de status, Erasmo e Roberto dariam ainda pano para manga.
Sendo as coisas como são, levam
seus cheques de R$ 15 mil, dinheiro cedido pela Shell para manter
perpétua a circulação de "idéias"
no latifúndio -e novos talentos
que se lasquem. Por falar, para que
serve mesmo esse prêmio?
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