São Paulo, quinta, 27 de novembro de 1997.




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MÚSICA
Roberto e Erasmo adentram galeria Shell da MPB

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial ao Rio de Janeiro

Roberto Carlos e Erasmo Carlos receberam anteontem à noite, no teatro João Caetano, no Rio, mais um naco do que lhes cabe nesse latifúndio chamado MPB. Após um show de quase 2h30, foram agraciados com o 17º Prêmio Shell para a Música Popular Brasileira.
O prêmio é oferecido anualmente a um contribuinte eleito por um corpo de jurados por sua importância no cenário MPB. Com Roberto e Erasmo, a coroa vai, pela primeira vez, a uma dupla.
Antes, levaram o mimo Pixinguinha, Tom Jobim, Dorival Caymmi, Luiz Gonzaga, Braguinha, Milton Nascimento, Herivelto Martins, Chico Buarque, Caetano, Gil, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Jorge Ben Jor, Edu Lobo, Baden Powell e Rita Lee.
O show -ou melhor, dois shows separados mais duetos de "Jesus Cristo" e "Amigo"- poderia corroborar a noção de que o Shell sucumbe à música popular mais popularesca. Mas não -o tributo a Roberto e Erasmo é mais que justo.
A mais óbvia das razões é o alcance da jovem guarda dos anos 60 até hoje. A segunda foi levantada por Erasmo, ao apresentar "Sentado à Beira do Caminho", lembrando quantos bebês foram concebidos ao som do standard.
Pois é. Roberto e Erasmo são tão importantes que roubam de qualquer brasileiro o privilégio de se sentir especial por ter como trilha particular uma de suas canções -são tantos os que amaram ou fizeram descobertas cruciais ao som de um daqueles clássicos que o "privilégio" é só vala comum.
A menos óbvia das razões Erasmo lembrou ao cantar "Filho Único": eles foram, nos anos 70, no além-jovem guarda, os introdutores não da moda romântico-brega, mas da música negra de raiz norte-americana no Brasil.
Havia Tim Maia, Cassiano, Hyldon. Mas foi Erasmo quem solidificou o rock'n'soul nacional, cantando "Filho Único", "Sou uma Criança, Não Entendo Nada", "De Noite na Cama".
Quanto a Roberto, dizem que Marc Bolan e David Bowie modelaram o soul branco. Bobagem. Antes deles, Roberto já destruía corações cantando "Sua Estupidez", "Ana", o hino gospel "Jesus Cristo", "Todos Estão Surdos"...
Todas eram canções-filhas de "Quero Que Vá Tudo pro Inferno" (65), que, queira ou não a superstição de Roberto, é o hino que levará a dupla à posteridade.
Por enquanto, isso é passado. Vê-los em show hoje é ceder à evidência de que eles próprios se levam a sério só na medida de salvaguardar a fidelidade eterna dos fãs.
Pois Erasmo ainda treme -e erra os versos- quando tem que cantar em duo com Roberto. Age como um funcionário seu, não o amigo que aquele ritual hipócrita de sempre tenta vender, não o co-autor da grandeza de Roberto.
E este, por sua vez, age como se o exibicionista inchado de fama fosse mais relevante que o que ele é -um dos três maiores cantores vivos do país, quaisquer que sejam os outros dois.
Canta divinamente castelos kitsch como "Cavalgada", mas sabota a si mesmo ao delongar sílabas, arrastar vogais, mirabolar só para fazer charminho.
Aí parece que o tal Shell é só saudosismo -e não é. Pensassem mais em arte e menos em manutenção de status, Erasmo e Roberto dariam ainda pano para manga.
Sendo as coisas como são, levam seus cheques de R$ 15 mil, dinheiro cedido pela Shell para manter perpétua a circulação de "idéias" no latifúndio -e novos talentos que se lasquem. Por falar, para que serve mesmo esse prêmio?



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