São Paulo, segunda-feira, 27 de novembro de 2000 |
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Prandi explora a multiplicidade
DA REPORTAGEM LOCAL Reginaldo Prandi é um dos principais pesquisadores brasileiros sobre religiões. É autor de, entre outros, "Um Sopro do Espírito" (Edusp), sobre a Renovação Carismática, e "A Realidade Social das Religiões no Brasil" (Hucitec), em parceria com Antônio Flávio Pierucci. Graças ao trabalho de ambos os autores, tem sido um pouco mais fácil compreender a mixórdia religiosa brasileira. |
Folha - A vida religiosa no Brasil
ficou demasiadamente complexa.
Como situar o candomblé no universo das religiões atuais?
Reginaldo Prandi - É uma entre
as muitas religiões que estão competindo no mercado. Mercado
que se expande e no qual as regras
da competição ficam mais explicitadas. Desse ponto de vista, o candomblé não tem nada de especial.
Mas ele tem uma grande importância simbólica, muito própria,
pelo lugar que ocupa na cultura,
pelas contribuições que deu a ela
na estética, culinária, música etc.
Folha - O sr. fala que o candomblé
está hoje "em franca expansão" e
"em permanente transformação".
Prandi - O candomblé era uma
religião de negro e, portanto, de
pobres. Depois dos anos 60, incorporou outros segmentos, sobretudo na classe média baixa.
Também era limitado às antigas
cidades que concentravam negros
escravos, como Salvador, Recife,
Rio, São Luís, um pouquinho em
Porto Alegre... Também depois
dos anos 60, o candomblé se alastrou e hoje está no Brasil inteiro.
Além disso, você tem uma exportação do candomblé. Já existem
terreiros no Uruguai e na Argentina. E até na Itália, na Suíça e em
Portugal, terreiros que eu visitei.
Quanto às transformações internas, a principal é a relacionada
à escrita. Toda cultura de candomblé é ágrafa, os africanos não
conheciam a escrita.
Hoje a cultura da oralidade já
não é dominante, qualquer filho-de-santo compra um livro do Reginaldo Prandi, lê e vai contestar o
pai-de-santo. As noções de verdade, tradição, aprendizado vão
mudando.
Folha - Sendo resultado de uma
diáspora africana, como diz o livro,
e sendo de origem popular, o sr.
não acha que o candomblé estabelece relações contraditórias, clientelistas, com certos personagens
do mandonismo político?
Prandi - Mas, ao mesmo tempo
em que você tem esse mandonismo, você tem uma ideologia da
dádiva. Se pensar no baiano que
adora Antonio Carlos Magalhães,
por exemplo, isso faz parte da cultura da dádiva. A idéia é seguinte:
ele é poderoso, mas também é ele
que nos dá tudo que a gente tem.
Folha - Haveria uma positividade
no neopentecostalismo, de transformação da sociedade brasileira,
que não existe no candomblé?
Prandi - Não diria isso. É muito
forte. Eles trabalham com coisas
diferentes. Por exemplo, uma coisa positiva no candomblé é que é
uma religião que libera o indivíduo, o corpo, as fantasias, ensina
que não tem pecado, que o seu sucesso depende de você. Mas não
te ensina nada de solidariedade.
Folha - Ao contrário do neopentecostalismo.
Prandi - Sim. O candomblé te faz
desconfiar do solidário, porque
todo mundo está competindo,
você vive num mundo de escassez, com pessoas necessitadas.
Folha - Sendo a sua a maior coleção de orixás já reunida, o sr. não
teme que a forma narrativa que
deu aos mitos passe a constituir um
modelo, impedindo a reelaboração
da transmissão oral?
Prandi - A gente corre esse risco.
Eu reescrevi todas as narrativas
mitológicas colhidas no trabalho
de campo. Redigi uma por uma,
noites e noites a fio. Meu livro foi
escrito para qualquer um que se
interesse pela cultura brasileira e
foi feito com a intenção de tornar
a leitura agradável e concisa. E é
um trabalho que retorna ao meu
objeto de estudo. As pessoas ligadas ao candomblé gostam dos
meus livros, mas não os entendem. Desse livro elas vão realmente gostar.
Livro: Mitologia dos Orixás
Autor: Reginaldo Prandi
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 43,50 (624 págs.)
Noite de autógrafos: dia 12/12, a partir
das 18h30, na livraria Cultura - shopping
Villa-Lobos (av. das Nações Unidas,
4.777, zona oeste, São Paulo, SP)
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