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São Paulo, quinta-feira, 27 de novembro de 2003

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FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO

Seleção foi a mais magnífica que se viu desde os anos 70

INÁCIO ARAUJO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

"Filme de Amor", vencedor do prêmio de melhor filme no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, é, certamente, um filme impressionante: cada plano parece estudado para trazer ao cinema um tanto das artes plásticas; cada diálogo, para remeter à palavra sublime da literatura; cada gesto, para enfatizar o movimento, isto é, o cinema.
A narrativa diz respeito a duas mulheres e um homem que celebram o amor. São as Três Graças da mitologia grega, que Julio Bressane traz ao Rio, levando adiante seu projeto de uma arte que desconhece fronteiras de tempo e espaço. Chega-se a momentos notáveis. Um deles, talvez o mais forte, quando os personagens começam a flutuar no espaço, livres, plenos. Outros se devem às passagens de preto-e-branco a colorido, que realçam a força pictórica da luz de Walter Carvalho (ganhador do prêmio de melhor fotografia -a julgar pelos festivais, é, aliás, nosso único fotógrafo).
Talvez se possa pensar que a esse prêmio não é alheio o dispositivo intimidatório que a produção mobiliza.
Existe beleza, sem dúvida, mas existem também os signos muito evidentes da beleza, e talvez possamos pensar no que ganha o cinema a imitar a beleza a que outras artes chegaram anteriormente. Existe a erudição formidável de Julio Bressane, que abarca da música popular à filosofia, e sem dúvida subjuga o espectador e o júri. No entanto, como lembra a frase de Rafael Cansinos Assens, vivemos cercados pela beleza.
Ou seja: será que "Filme de Amor" confronta a realidade com o mesmo vigor que "O Signo do Caos", de Rogério Sganzerla, ganhador do prêmio de melhor direção? Será que enfrenta contradições, tensiona o real e o controla com o vigor que o faz "Garotas do ABC", de Carlos Reichenbach, prêmio especial do júri?
São, certamente, questões a lançar no encerramento do festival, quase certamente o mais magnífico que se viu desde os anos 70. Foi um momento em que o cinema brasileiro permitiu-se parar para refletir sobre a adoção de um modelo industrial que já mostrou seus limites no resto do mundo, e que procuramos hoje imitar (síndrome de Vera Cruz, talvez).
Há prêmios indiscutíveis. Melhor ator para Paulo César Pereio, magra recompensa a "Harmada", notável retorno de Maurice Capovilla. O melhor roteiro foi para "Lost Zweig", de Sylvio Back. Prêmio lógico: era a rigor o único "filme de roteiro" da seleção. Mas também é verdade que esse roteiro cria, bem à moda das co-produções internacionais, um enredo de mocinho e vilão. O governo Vargas paga o pato também pela morte de Zweig. Já é um hábito.
Em poucas palavras: diante da difícil tarefa de chegar a uma premiação equilibrada, o júri optou quase sempre pelo caminho mais fácil, menos polêmico. Sobrou então para "Garotas do ABC" e, em menor medida, para "Harmada".
Já o júri da crítica foi reformulado há pouco, quando se chegou à conclusão que um número excessivo de votantes estava tornando o prêmio da crítica uma sucursal do júri popular. Houve uma depuração, diminuiu-se o número de eleitores. O prêmio da crítica foi para "Glauber o Filme, Labirinto do Brasil", de Sílvio Tendler. Ah, o prêmio do júri popular também foi para "Glauber o Filme".


O crítico Inácio Araujo viajou a convite da organização do festival


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