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ERUDITO/CRÍTICA
Almeida Prado, ou a substância da circunstância
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Muita gente foi embora,
anteontem, antes de chegar a "Aurora", de Almeida
Prado (1943). Nem se pode culpá-los: eram 11 e tanto da noite
e o piano mal começava a surgir das profundezas do palco
da Sala São Paulo. Mas foi uma
pena, porque perderam uma
peça extraordinária, bem tocada pela pianista Sônia Muniz,
com a Sinfônica da USP.
Verdade que antes disso as
coisas não correram tão bem
como poderiam. A temporada
mensal de concertos da Osusp,
regida por Carlos Moreno, foi
uma das melhores do ano, a
mais grata surpresa no contexto tão rico da música clássica
que se faz hoje regularmente na
cidade.
Tanto maior a frustração de
um concerto assim descosturado: uma maratona de música,
entremeada de falatório, sem
preocupação de manter o tom
e o ritmo do espetáculo. Não há
humor que resista.
De mais importante, é preciso ressaltar o resultado do Prêmio Camargo Guarnieri de
composição. Os jurados
-compositores Osvaldo Lacerda, Mário Ficarelli e Paulo
C. Lima, maestros Roberto
Duarte e Moreno- não chegaram a consenso.
Seguindo as normas, então,
não foi concedido o primeiro
lugar. O segundo ficou com
André Mehmari. Aos 26 anos,
ele já é um dos maiores nomes
da nossa música popular, respeitadíssimo como pianista e
arranjador; vem abocanhando
com justiça um prêmio de
composição atrás do outro.
O concerto da terça era o primeiro da Semana Eleazar de
Carvalho, que vai até domingo,
encerrando com a apresentação dos vencedores do Prêmio
Nacional de Composição (André de Oliveira Ribeiro, Alexandre de Paula Schubert, Paulo Zuben).
O maior prêmio de todos vai
para o sexagenário Almeida
Prado: é a constatação de que
sua música só melhora com o
tempo. Uma peça como "Aurora" teria sido ouvida, há alguns anos, como representante
típica da década de 70. Hoje está livre de sua própria circunstância; ou melhor, transformou a circunstância em substância.
Veja-se também a "Fantasia"
para violino e orquestra, de
1997, tocada com garra e fluência por sua filha Maria Constanza Almeida Prado. Até a
"Grande Fuga", de Beethoven,
cabe agora nessa música, sem
pompa e sem receio.
O clarinetista Luiz Affonso
Montanha foi simpática e discretamente virtuosístico no
"Choro", de Camargo Guarnieri (1907-93). O mesmo não
se pode dizer do quinteto não
identificado de cantores solistas no "Oratório de Natal", de
Saint-Saens (1835-1921). Não
era a noite deles.
O Coral da ECA fez sua modesta parte com segurança;
mas a música foi tocada de fora
pela orquestra, exceção feita ao
organista José Luís de Aquino
(também não identificado no
programa).
Foi um grande ano para a
Osusp, a despeito desse concerto esquisito. Quem sabe para
2004 não se pensa num festival
Almeida Prado?
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