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São Paulo, quinta-feira, 27 de novembro de 2003

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ERUDITO/CRÍTICA

Almeida Prado, ou a substância da circunstância

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Muita gente foi embora, anteontem, antes de chegar a "Aurora", de Almeida Prado (1943). Nem se pode culpá-los: eram 11 e tanto da noite e o piano mal começava a surgir das profundezas do palco da Sala São Paulo. Mas foi uma pena, porque perderam uma peça extraordinária, bem tocada pela pianista Sônia Muniz, com a Sinfônica da USP.
Verdade que antes disso as coisas não correram tão bem como poderiam. A temporada mensal de concertos da Osusp, regida por Carlos Moreno, foi uma das melhores do ano, a mais grata surpresa no contexto tão rico da música clássica que se faz hoje regularmente na cidade.
Tanto maior a frustração de um concerto assim descosturado: uma maratona de música, entremeada de falatório, sem preocupação de manter o tom e o ritmo do espetáculo. Não há humor que resista.
De mais importante, é preciso ressaltar o resultado do Prêmio Camargo Guarnieri de composição. Os jurados -compositores Osvaldo Lacerda, Mário Ficarelli e Paulo C. Lima, maestros Roberto Duarte e Moreno- não chegaram a consenso.
Seguindo as normas, então, não foi concedido o primeiro lugar. O segundo ficou com André Mehmari. Aos 26 anos, ele já é um dos maiores nomes da nossa música popular, respeitadíssimo como pianista e arranjador; vem abocanhando com justiça um prêmio de composição atrás do outro.
O concerto da terça era o primeiro da Semana Eleazar de Carvalho, que vai até domingo, encerrando com a apresentação dos vencedores do Prêmio Nacional de Composição (André de Oliveira Ribeiro, Alexandre de Paula Schubert, Paulo Zuben).
O maior prêmio de todos vai para o sexagenário Almeida Prado: é a constatação de que sua música só melhora com o tempo. Uma peça como "Aurora" teria sido ouvida, há alguns anos, como representante típica da década de 70. Hoje está livre de sua própria circunstância; ou melhor, transformou a circunstância em substância.
Veja-se também a "Fantasia" para violino e orquestra, de 1997, tocada com garra e fluência por sua filha Maria Constanza Almeida Prado. Até a "Grande Fuga", de Beethoven, cabe agora nessa música, sem pompa e sem receio.
O clarinetista Luiz Affonso Montanha foi simpática e discretamente virtuosístico no "Choro", de Camargo Guarnieri (1907-93). O mesmo não se pode dizer do quinteto não identificado de cantores solistas no "Oratório de Natal", de Saint-Saens (1835-1921). Não era a noite deles.
O Coral da ECA fez sua modesta parte com segurança; mas a música foi tocada de fora pela orquestra, exceção feita ao organista José Luís de Aquino (também não identificado no programa).
Foi um grande ano para a Osusp, a despeito desse concerto esquisito. Quem sabe para 2004 não se pensa num festival Almeida Prado?


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