São Paulo, sábado, 27 de novembro de 2004

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POLÍTICA INTERNACIONAL/"O IMPÉRIO CONTRA-ATACA"

Ferreira expõe Bush e suas guerras

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O novo livro do jornalista Argemiro Ferreira, que já nos deu um relato detalhado do macartismo, é obra de referência, tal o volume de informações reunidas e organizadas pelo autor. "O Império Contra-Ataca" (Paz e Terra) tem boa parte ocupada por pés de página identificando citações que funcionam como traços de união entre as muitas incursões feitas pelo especialista em questões internacionais.
O tema central é Bush e suas guerras, para ele e elas convergem o que foi pesquisado. Unilateralismo e "votos roubados" acabam ficando num mesmo contexto. O mesmo acontece com formação política, num "habitat" dinástico, e crimes corporativos. Como um presidente eleito com votos suspeitos e o favorecimento judicial, de uma Corte Suprema com maioria conservadora, como ele, seu Texas e seu Partido Republicano, teve fôlego para lançar-se numa política de decisões unilaterais? Com disposição de esmagar adversários externos e internos?
Um Bush beneficiário da onda de patriotadas pós-atentados de 11/9 explica o grosso de porções de arrogância, mas não a sua totalidade. A facção que se tornou dominante no governo Bush ocupou Washington com projeto definido que teoricamente independia das ações de Bin Laden.
Por meio da maioria republicana no Congresso, Bush conseguiu aprovar cortes de impostos em favor dos mais ricos antes do 11/9. O projeto andava. O terrorismo funcionou como força de empuxe. Nesse quadro de radicalização, Argemiro traça a via-crúcis do general Colin Powell, retrato de escassa moderação que acabou traindo a si próprio com o depoimento no Conselho de Segurança da ONU, "comprovando" a existência de armas de destruição maciça no Iraque. Nem um Powell existe no segundo mandato. A promiscuidade com as corporações da Casa Branca pós-2000 teria como marco inicial a reação de Bush pai, chefe da dinastia, a rumores sobre corrupção e os filhos. "Os meninos precisam ganhar a vida", justificou o pai.
O livro é aberto por uma cronologia que parte de janeiro de 91, do fim do ultimato dado por Bush pai para que Saddan Hussein retirasse suas tropas do Kuait, e se encerra com as convenções dos partidos Democrata e Republicano em 2004. Pouco depois da primeira guerra do Golfo, "obra inacabada" do pai, Bush deu informações à Securities Exchange Commission sobre vendas não comunicadas em prazos legais de ações da Harken Energy, da qual fora alto executivo. Numa simples cronologia, vê-se a proximidade entre guerra numa região cheia de petróleo e negócios suspeitos.
O terrorismo, com a incorporação de componentes religiosos, favoreceu os "neoconservadores" com seu projeto anterior de criação de uma ordem capitalista mundial a partir do Iraque invadido e "democratizado"...
Pesquisando no "New York Times", Argemiro constatou que 11 dias depois do 11 de Setembro Bush começou a manifestar a crença de que se tornara intérprete de Deus. "É o próprio Aiatolá da América", escreveu Richard Cohen, do "Washington Post". Os EUA integristas se encaminhavam para a guerra em nome de Deus, com Bush quase canonizado. Assim ele se reelegeu de padrões morais e patriotismo.
Argemiro nos mostra como uma falta de percepção da realidade, sob o peso de fatores místicos, transformou um governo medíocre e danoso num sucesso eleitoral. Pouco importam os ataques às liberdades civis e uma nova estratégia de segurança nacional que vê com maus olhos as leis de guerra da Convenção de Genebra, como a de proibição a tortura de presos. Ou desemprego agravado, rombo orçamentário etc. Fala mais alto a missão divina.
Senti falta de alguma referência ao chamado Projeto Califórnia, os ovos da serpente que começaram a ser incubados quando Reagan se elegeu governador da Califórnia nos anos 60.


Newton Carlos é jornalista e analista de questões internacionais
O Império Contra-Ataca

    Autor: Argemiro Ferreira Editora: Paz e Terra Quanto: R$ 44 (333 págs.)


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