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FESTIVAL DE BRASÍLIA
Cópia restaurada do clássico de Glauber Rocha mostra a força narrativa e estilo operístico do filme
"Terra em Transe" ofusca o cinema atual
JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
O grande filme do 37º Festival de Brasília do Cinema
Brasileiro tem 37 anos e chama-se
"Terra em Transe".
Não, não se trata de saudosismo. Exibido na quinta-feira à tarde, em linda cópia recém-restaurada, o filme de Glauber Rocha
mostrou um vigor e uma atualidade capazes de ofuscar todos os
longas-metragens da competição,
inclusive e sobretudo "Cabra Cega", de Toni Venturi, apresentado
poucas horas depois e que trata,
grosso modo, do mesmo tema
(ditadura, guerrilha).
Não que o longa de Venturi não
tenha causado impacto. Foi
aplaudido calorosamente pela
platéia que lotou o Cine Brasília e
é forte candidato ao prêmio do júri popular.
"Cabra Cega" conta a história
de um guerrilheiro ferido (o ótimo Leonardo Medeiros), escondido no apartamento de um simpatizante, em São Paulo. Enquanto ele convalesce, ajudado por
uma camarada pela qual inevitavelmente se apaixona (Débora
Duboc), a guerrilha se esfacela à
sua volta e o país mergulha na fase
mais brutal da ditadura.
O filme emocionou o público,
predominantemente jovem. Para
quem tinha visto "Terra em Transe", porém, "Cabra Cega" chegou
bastante amortecido.
O filme de Glauber, ambientado
numa república latino-americana
imaginária, foi feito no calor da
hora (1967) e antecipa temas que
só viriam à tona com força anos
depois, como a tortura, a guerrilha e até um líder popular que
chega ao poder e trai seu ideário
em nome de compromissos com
os poderosos.
"Cabra Cega", ao contrário, é
uma reconstituição "a posteriori", uma interpretação realizada
por gente jovem o bastante para
ter estudado nos bancos escolares
os fatos narrados.
O tom profético de Glauber é
acompanhado, ou melhor, é
construído por um estilo operístico, barroco, delirante, de invenção audiovisual ininterrupta.
A interpretação exaltada dos
atores (e que atores: Jardel Filho,
Glauce Rocha, Paulo Autran, José
Lewgoy) é potencializada pelos
enquadramentos ousados, pela
inquietude da câmera na mão (de
Dib Lufti), pela montagem vibrante e descontínua (de Eduardo
Escorel), pelo brusco jogo de contrastes entre ruído e silêncio, pela
alternância entre o fôlego épico e
a asfixia intimista.
Para quem não sabe, essa ópera
selvagem de Glauber Rocha narra
a crise de um personagem trágico,
o poeta e militante de esquerda
Paulo Martins (Jardel Filho), dividido entre a poesia e a ação revolucionária, entre os prazeres burgueses e o trabalho político.
Alternando a busca da pureza
com uma atração pelo hedonismo e pela corrupção moral, Martins oscila também entre duas
mulheres, a engajada Sara (Glauce Rocha, magnífica) e a burguesa
Silvia (Danuza Leão).
Não é só "Cabra Cega" que empalidece diante de "Terra em
Transe", mas boa parte da produção cinematográfica atual, não só
no Brasil. Parecem meios de expressão diferentes.
Essa obra-prima admirada por
gente como Godard e Scorsese foi
pouco vista no Brasil em sua integridade. Além de ter sofrido com
a censura em sua época, seu negativo foi destruído por um incêndio num laboratório francês.
A versão lançada em VHS pela
Globo Vídeo tinha lacunas e rolos
trocados. A cópia exibida em Brasília, que deverá entrar em cartaz
em breve, foi feita em alta definição a partir de uma cópia preservada em Berlim.
A restauração, coordenada por
Paloma Rocha, filha de Glauber, é
a primeira de uma série. O Grupo
Novo de Cinema e TV promete
restaurar também "O Dragão da
Maldade", "Barravento" e "A Idade da Terra".
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