São Paulo, sexta-feira, 27 de dezembro de 2002

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CINEMA

Polêmica em pinceladas


Premiado em Veneza, "Frida", com Salma Hayek, é alvo de críticas por não ser falado em espanhol


MILLY LACOMBE
FREE-LANCE PARA A FOLHA,
NA CIDADE DO MÉXICO


"Frida", o filme -projeto da atriz mexicana Salma Hayek premiado no Festival de Veneza e indicado ao Globo de Ouro, considerado uma prévia do Oscar, na categoria melhor atriz-, não tem tido vida menos conturbada do que a da artista plástica a que se refere. Pelo menos não até agora. Ao ser lançado nos EUA, o longa, que conta a história da polêmica pintora mexicana Frida Kahlo (1907-1954), ícone feminista, foi recebido sob uma chuva ácida de incisivas críticas por parte da imprensa latina. O motivo: trata-se de uma produção hollywoodiana falada em inglês, e não em espanhol, como deveria ser na opinião de muitos.
Os protestos ganharam corpo durante uma entrevista em novembro, na Cidade do México, quando os produtores, fuzilados pela imprensa local, explicaram repetidas vezes que a procedência do dinheiro é que determinou a língua.
A verdade é que o projeto de Salma Hayek, atriz mexicana que fez carreira nos Estados Unidos ("Dogma"), já nasceu em mares turbulentos quando Jennifer Lopez, Hayek e Madonna resolveram disputar os direitos sobre a obra da celebrada artista.
Depois de seis anos de idas e vindas, Hayek finalmente conseguiu autorização para rodar e se viu frente a outros contratempos: problemas de orçamento, atraso nas filmagens e, mais seriamente, dificuldade em encontrar o roteiro ideal.
Por tudo isso, a atriz parecia exausta quando se sentou com a reportagem da Folha, no estúdio da Miramax na Cidade do México, para falar de sua protagonista e da documentação do casamento de Frida Kahlo com o muralista Diego Rivera, o "affair" com Trótski, seu bissexualismo assumido e as dilacerantes lesões deixadas pelo atropelamento que uma das artistas plásticas mais influentes de todos os tempos sofreu na juventude.

Ritmo
As olheiras que a maquiagem pesada não conseguia esconder indicavam que Hayek estava em ritmo frenético de trabalho para conseguir terminar de rodar no prazo. Dois dias antes de nossa visita, ela chegou a desmaiar no set de filmagem.
"É muito difícil traduzir o surrealismo da pintura de Frida para o cinema", disse, tentando justificar o atraso e acendendo um cigarro atrás do outro.
"Mas meu cansaço é também resultado de seis anos de luta para conseguir os direitos sobre obra e réplicas", explicou, tocando na ferida aberta pela atriz/cantora Jennifer Lopez, que se dedicou a estrelar um projeto idêntico e rival, que seria produzido por Francis Ford Coppola. Hoje, as duas divas latinas não se falam.
"Foram tantos os obstáculos até aqui que esse episódio é coisa pequena", desconversa Hayek, que traz no rosto o alegórico bigode da pintora e se apressa em agradecer a Madonna. "Ela sim acabou por me ajudar porque, ao se interessar, trouxe conhecimento de público para o filme."
Depois de adquirir os direitos, Salma Hayek tentou, sem sucesso, convencer alguns dos diretores mais consagrados da indústria a encabeçarem o longa.
Walter Salles foi sondado, mas preferiu não aceitar. "Já estava comprometido com "Diários de Motocicleta", mas também não aceitei por achar que não fazia sentido falar de Frida Kahlo em inglês", disse o cineasta. Finalmente, a consagrada diretora teatral Julie Taymor topou, mas não sem antes sugerir uma quase completa reelaboração do script, originalmente escrito por Rodrigo García, filho de Gabriel García Márquez.
"Julie deu palpites, e Edward [Norton, namorado de Hayek e que faz o papel do milionário Nelson Rockefeller no filme" reescreveu os diálogos", contou a atriz.
Com diretor a bordo e a reelaboração do roteiro em andamento, Hayek saiu fazendo ligações para amigos, pedindo que eles aceitassem trabalhar pela participação em bilheteria, ou seja, sem salário.
Seu esforço foi capaz de angariar Antonio Banderas, Ashley Judd, Geoffrey Rush (no papel de Leon Trótski, o comunista russo que pediu exílio no México em 1937 e se envolveu romanticamente com Kahlo) e Alfred Molina (interpretando o artista plástico Diego Rivera).
"Frida não estava apenas à frente de seu tempo. Hoje, quase 50 anos depois de sua morte, ela é uma mulher à frente de nosso tempo. Frida Kahlo transformou o horror e a adversidade em arte, e esse é o tipo de exorcismo de rara ocorrência e longa duração", disse Hayek.


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