São Paulo, terça-feira, 27 de dezembro de 2005

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CINEMA

Edição dupla de filme de Scorsese com De Niro tem seis minidocumentários que contam história turbulenta do projeto

Agora clássico, "Touro Indomável" sai em DVD

SÉRGIO RIZZO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Quanto tempo demora para se notar que um filme está se tornando um clássico? No caso de "Touro Indomável", cerca de dez anos. Foi o período que separou seu lançamento nos cinemas, em 1980, das enquetes entre cineastas e críticos, ao final da década, que o apontaram como um dos marcos no cenário americano dos 80.
Não que sua carreira inicial tenha sido discreta a ponto de relegá-lo por esse tempo todo ao limbo. O diretor Martin Scorsese e o ator Robert De Niro já eram estrelas de primeira grandeza quando abraçaram o projeto. Embora viessem de um fiasco -"New York, New York" (1977)-, tinham ainda muito prestígio para queimar, em parte devido a bem-sucedidas colaborações em "Caminhos Perigosos" (1973) e "Taxi Driver" (1974).
"Touro Indomável" teve bilheteria discreta, mas o suficiente para se pagar, e recebeu oito indicações ao Oscar, inclusive para melhor filme e direção -prêmios entregues a "Gente Como a Gente" e a seu diretor estreante, o ator Robert Redford. Ganhou apenas o de melhor ator (De Niro) e montagem (Thelma Schoonmaker, desde então colaboradora regular de Scorsese).
Apesar disso, as críticas foram divididas. "As pessoas não sabiam o que dizer dele", lembra Schoonmaker em um dos seis minidocumentários incluídos no disco exclusivo para extras da recém-lançada versão em DVD.
"Não achei que fossem ver o filme", admite Scorsese. Muito menos desconfiava que, um quarto de século depois, seria considerado um dos maiores -para muitos, o maior- de seus longas, quintessência do jeito Scorsese de transformar vida em filme, realidade em hiper-realismo.
Vida entendida aqui como biografia, a do ex-boxeador Jake La Motta, o "touro do Bronx", que o título original ("Raging Bull") trata como "enraivecido", e não como "indomável". A realidade tratou de domá-lo, como se nota na primeira cena, após a magnífica seqüência de créditos: gordo, envelhecido precocemente, ele ensaia solitário no camarim falas de um show autobiográfico, em 64.
Um flashback nos leva então para o centro de um ringue, em 1941, na primeira das oito lutas reconstituídas ao longo das duas horas em que se assiste à ascensão e queda de um sujeito difícil, repugnante até, mas pelo qual, na melhor tradição cristã, o filme procura despertar compaixão. É a história de La Motta sob a perspectiva da redenção, contada por um cineasta que foi coroinha e imaginou um futuro como padre.
O lado espiritual é devidamente explicitado, no fim, com uma citação bíblica sobre cegos e pecadores. Terços, crucifixos e retratos de Jesus Cristo compõem a iconografia religiosa que, conta o diretor de fotografia Michael Chapman em um dos minidocumentários, foi construída em diversos enquadramentos.
O material extra do DVD leva à compreensão de "Touro Indomável", em primeiro lugar, como o retrato de uma obsessão: a de Robert De Niro pelo personagem. Desde que leu a autobiografia de La Motta escrita com Joseph Carter e Peter Savage, ainda na primeira metade da década de 70, ele fixou-se na idéia de interpretar o ex-boxeador e levou anos até convencer Scorsese -que não gostava de boxe e não entendia nada do esporte- a assumir o projeto.
Ex-colega do diretor na New York University (NYU), o roteirista Mardik Martin ("Caminhos Perigosos") fez a primeira versão da adaptação. Paul Schrader ("Taxi Driver") reformulou a estrutura e incluiu outros elementos, mais tarde retrabalhados por De Niro e Scorsese. O ator pressionou os produtores a interromper as filmagens para que pudesse engordar quase 30 quilos, dispensando o uso de próteses e maquiagem. Cada luta foi filmada com uma concepção visual e sonora diferente, mas fiel aos movimentos do combate original.
Renascido das cinzas com o filme (leia no quadro), Scorsese o dedicou, "com amor e firmeza", a Haig P. Manoogian (1916-1980), professor da NYU cujo rigor considerava fundamental em sua formação. Mestre morto, mestre posto: "Touro Indomável" vale sozinho um título de "doutor honoris causa".


Touro Indomável
    
Direção: Martin Scorsese
Lançamento: Fox
Quanto: R$ 34,90 (em média)


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