São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 2007

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Internet multiplica filmes feitos por fãs

Livres dos custos industriais, vídeos com personagens como Luke Skywalker e Wolverine aparecem aos milhares na rede

Produções caseiras chegam a ter qualidade superior à da TV; Leonardo de Barros, da Conspiração Filmes, diz que fã-filmes revelam talentos

RENATO ESSENFELDER
DA REPORTAGEM LOCAL

Batman anda ocupado. E não é para menos. Nos últimos tempos, lutou contra Coringa, Predador, Alien (!) e Super-Homem; morreu, renasceu.
Luke Skywalker ("Guerra nas Estrelas"), capitão Kirk ("Jornada nas Estrelas"), Indiana Jones, Wolverine ("X-Men") e centenas de outros personagens famosos dos quadrinhos, do cinema e da TV também têm suado em milhares de aparições em filmes de enredo quase sempre insólito. Lançados diariamente. Por iniciativa de seus fãs.
À margem das superproduções hollywoodianas, franquias de peso têm ganhado frenética vitalidade na internet. Com divulgação facilitada, aficcionados de todo o mundo embarcam na onda dos fã-filmes, produções caseiras, de baixíssimo orçamento, que trazem personagens conhecidos encarnados por atores anônimos.
"Fazemos pela paixão, para fazer parte da saga. Se fosse para entrar para a área, não faria um fã-filme. O retorno tem de ser de coração ou financeiro. No nosso caso, é emocional", conta o analista de sistemas e fã-diretor Milton Soares Júnior, 40. Ele idealizou "Shadows of the Empire", um fã-filme de "Guerra nas Estrelas" baseado na novela homônima do americano Steve Perry.
O mais incrível, contudo, não é o fato de os fã-filmes progredirem geometricamente em sites como o YouTube, que exibe mais de 8.000 vídeos do gênero, alguns na casa do meio milhão de acessos. Notável mesmo é o fato de várias dessas obras atingirem um nível de sofisticação superior ao de produções comerciais (veja quadro).

Criando um clima
Para filmar o príncipe Xizor, uma espécie de vilão concorrente de Darth Vader, num flerte com a princesa Léia, Milton Jr. e sua equipe quase arrancaram os cabelos. O longa foi rodado em "stop motion", técnica em que bonecos são filmados quadro a quadro (como fotos).
"Era preciso criar um clima de sedução. Pensamos em girar manualmente o cenário, mas os bonecos caíam a toda hora. Resolvemos girar a câmera. Subi numa escada, me contorcendo. Quase caí várias vezes, segurando nossa única câmera." Inúmeras tomadas e duas horas depois, sucesso. Os dez segundos em que Xizor tenta seduzir Léia estavam garantidos.
Essa medida de tempo dá idéia do trabalho exigido numa produção como essa, em "stop motion". Considerando o fato de "Shadows..." ser um dos fã-filmes mais longos do mundo, com uma hora e meia de duração, é compreensível o fato de ter levado seis anos, do roteiro à edição, para ficar pronto.
Com mais de 400 MB, o filme já foi baixado 5.000 vezes do site oficial (www.shadowsfan film.com.br) e apreciado pelo próprio Perry, criador da saga original. Registre-se que um download como esse pode demorar mais de uma semana numa conexão discada.
Em seu auge, a produção envolveu cerca de 40 voluntários. Parte do grupo segue hoje na produção de um segundo filme, que mistura bonecos e atores.

Longa duração
A maioria dos fã-filmes na rede não tem mais de cinco minutos. Mas os brasileiros insistem em ser exceção. "Batman - O Retorno de Bane", do presidente do fã-clube Batbase, Renato Araújo, 34, está previsto para ter "de 20 a 30 minutos".
A produção deve acabar em março. O trailer já está disponível em www.batbase.com.br.
As gravações, iniciadas há seis meses, renderam até um filhote: a paródia "A Queda do Morcego". "No começo das gravações, o Batman [André Troesch] estava sobre um pilar e ia dar um salto. Caiu de bunda no chão, e sem querer soltei a piada", diverte-se Renato. O registro também está no site.
O "casting" de um fã-filme é, aliás, algo peculiar. Parentes e amigos são requisitados, e, no caso de "Bane...", o candidato a protagonista ganhou pontos graças à qualidade da fantasia de Batman que fizera para uma festa. E sobrou até para o filho de Araújo, Renato Araujo Júnior, 11, que interpreta o Robin.
O catarinense Felipe Barwinski Pereira, 17, está em seu primeiro fã-filme e também é ambicioso. "Devo terminar em março, com uns 45 minutos." Segundo ele, trata-se de uma "história dark" com o Batman.
Mais de 20 adolescentes, de 15 anos, em média, fazem parte do projeto. "Pretendo mostrar que a gente tem capacidade de fazer qualquer coisa."

Profissionalização
Renato e Milton têm em comum Marcos Perrin, 39. Dono de uma pequena produtora, a Nirrep, Perrin se encarregou dos efeitos especiais de "Shadows of the Empire" e de "O Retorno de Bane". Entre outras coisas, faz cenários 3D, efeitos de raios laser, explosões. É um dos poucos envolvidos nessas produções que têm os dois olhos voltados ao mercado.
"Dizem que é perda de tempo, mas isso me ajuda em produções comerciais. Tento desenvolver técnicas, aprimorar. É um desafio gostoso trabalhar com personagens que marcaram a minha infância."
Profissionais da área dizem que vale o investimento. "É um grande desenvolvimento, com impacto na criação de conteúdos audiovisuais e, também, em marketing e promoção. Está revelando criadores talentosos e, além disso, dando visibilidade aos curtas", analisa Leonardo Monteiro de Barros, sócio da Conspiração Filmes, uma das maiores produtoras independentes do país.
"Acompanho com interesse. Sou até fã dos episódios da web-série "Chad Vader'", completa. A série [veja quadro] narra o cotidiano do irmão mais novo e menos célebre de Darth, empregado de um mercadinho.
Menosprezado, mas com planos de dominar o mundo.

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