São Paulo, segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

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NELSON ASCHER

Eleições nos EUA


Independentemente de partido, cada presidente acaba compelido a governar desde o centro

POR MAIS desinteressante que a próxima eleição presidencial norte-americana prometa ser, não há como não acompanhá-la de perto. Convém, logo de início, observar que, em toda parte, a imprensa simpatiza com os democratas. Afinal, é seu partido que, no sistema do país, representa a esquerda.
Desde pelo menos Franklin Delano Roosevelt é o Partido Democrata que mais apostou no crescimento do Estado, vendo na expansão de políticas governamentais a solução para qualquer problema. Ademais, faz meio século que os democratas vêm se apropriando de causas consideradas progressistas e se tornaram os auto-proclamados representantes dos sindicatos, da burocracia estatal que tanto contribuíram para inchar e, sobretudo, das minorias e pseudo-minorias como negros, homossexuais, imigrantes ilegais e mulheres, ou melhor, feministas.
Não que o Partido Republicano se oponha frontalmente a tudo o que os democratas consideram seu monopólio. Chegando ao poder, independentemente de seu partido, cada presidente acaba compelido a governar desde o centro, não se indispondo, por exemplo, nem com o funcionalismo público nem matando, através de impostos excessivos, a galinha-dos-ovos-de-ouro da iniciativa privada. Daí que, no dia-a-dia da administração, presidentes, governadores, senadores etc. egressos das agremiações rivais tendam a se comportar de maneira semelhante.
Embora os fatos mudem menos que o discurso, este, amplificado pelos megafones da mídia, apresenta as divergências como muito mais extremas do que são. A rigor, a margem de manobra do governo em democracias maduras, nas quais as principais escolhas já foram feitas, é relativamente exígua. Ainda assim, se é possível caracterizar o centro de gravidade, a idéia central que norteia os republicanos, ela se resume no antiestatismo. Menos impostos, menos regulamentação, menos burocracia, eis o que os republicanos em geral prometem. Quanto a cumprir, bom, isto já é outra história. Daí que, no que diz respeito aos candidatos democratas, não haja mistério e, no que concerne aos republicanos, a pergunta central seja: quão a sério cada qual se empenharia em implementar o programa de seu partido?
A disputa interna dos democratas, entre os senadores Hillary Clinton e Barack Obama, converteu-se numa questão mais curiosa do que propriamente séria: seu partido tentará "fazer" o primeiro presidente negro ou o primeiro de sexo feminino da história americana? Essa bobagem se revela ainda mais ridícula se recordarmos que Hillary não seria, no cargo, a primeira mulher, mas, sim, a primeira mulher de alguém, isto é, do penúltimo presidente, enquanto Obama seria antes o primeiro mestiço na Casa Branca, pois ele é negro apenas pela antiga lei racista (one drop rule), de acordo com a qual bastava ter um remoto ancestral africano para que alguém fosse completamente negro. Como ambos são novos na política e nenhum deles é dado a responder diretamente às perguntas relevantes, tudo que se pode supor é que sua orientação seja a média genérica do partido.
O quadro republicano é mais populoso, mas nem por isso mais variado. Deixando de lado Ron Paul, o texano lunático, os demais candidatos viáveis se compõem de partes desiguais de conservadorismo em alguma área e de compromisso com o liberalismo nas outras. Rudy Giuliani, cujas chances decrescem, é um falcão na política externa, mas sua posição acerca do aborto e quesitos similares espanta o eleitorado religioso. Mike Huckabee, um pastor que atrai este último, mal o transcende e muitos de seus pontos de vista têm mais a ver com os democratas do que com os republicanos. John McCain é, para a base partidária, liberal demais principalmente no que se refere à imigração ilegal. Quanto ao candidato mais tipicamente republicano, o mórmon Mitt Romney, ele é suspeito aos olhos dos evangélicos e carece de carisma.
O que mais interessa ao restante do planeta, uma área, aliás, na qual o executivo dispõe de maior liberdade de movimento, a saber, a política externa americana, ela é o que será menos discutido nas primárias. A próxima administração dará ou não continuidade ao "influxo" (surge), ou seja, à campanha de contra-insurgência por meio da qual o general Richard Petraeus está derrotando a Al Qaeda no Iraque? A guerra contra o terror vai ser deixada de lado até o próximo mega-atentado nos EUA? O Ocidente permitirá que o Irã tenha armas nucleares ou que fundamentalistas tomem o poder no Paquistão? Tais questões não voltarão ao centro do debate antes que cada partido escolha seu candidato.


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