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ARTIGO
O escritor-padrão dos EUA
ANTONIO CALLADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
De uma forma abrangente, geral, seria possível dizer que John
Updike foi o escritor de maior
êxito no mundo de hoje. Ele
certamente não foi tão popular
e lido em toda a parte quanto
Gabriel García Márquez, nem
foi tão prezado pelos cultores
da arte literária quanto contemporâneos seus do calibre de
Borges, Beckett ou Nabokov.
No entanto, como romancista, como poeta, como ensaísta e
cronista, Updike chegou a um
extraordinário e equilibrado
nível de qualidade e popularidade. E, finalmente, passou a
ser, na sua geração, o representante mais completo do intelectual americano. É o escritor-padrão da nação que é, de longe, a mais poderosa do mundo.
A geração imediatamente anterior à de John Updike produziu nos Estados Unidos três excelentes romancistas: William
Faulkner, Ernest Hemingway e
Scott Fitzgerald. Diferentes entre si, vigorosos e originais, os
três ergueram a ficção americana ao nível das grandes do
mundo. Faulkner absorveu o
que havia na ficção do seu tempo para eternizar as angústias
do Deep South. Quanto aos outros dois, refletiram e retrataram a totalidade da sua nação,
Fitzgerald celebrando a riqueza crescente, o puro êxtase,
meio arrogante, do homem que
busca todos os triunfos, e Hemingway tentando manter viva
nesse mundo hedonista a figura do herói. "Suave É a Noite",
dizia Fitzgerald num título de
romance, "Por Quem os Sinos
Dobram", replicava Hemingway em outro. Ilustrando ambos as próprias ficções, morreu
o primeiro num crepúsculo alcoólico, pobre, esquecido, e
Hemingway enfiou na boca o
cano de um fuzil de caça e
apertou o gatilho.
A geração seguinte cresceu
num império tranquilo, consolidado, que se reflete na obra
culta, inteligente, e, digamos
assim, caseira, de Updike. Sua
série do personagem Harry
Rabbit Angstrom ["Coelho
Corre", "Coelho em Crise",
"Coelho Cresce", "Coelho Cai"
e "Coelho Se Cala"] vale quase
por uma história dos Estados
Unidos em nosso tempo. Updike abandonou esse herói, que o
acompanhou durante tantos
anos, mas não abandonou o
dia-a-dia da vida do país. O romance que publicou em 1992 se
chamou "Memories of the Ford
Administration". O título não
pode ser mais explícito.
Ensaio e crítica
Mas não foram só esses romances que Updike escreveu, e
alguns dos outros são deliciosos, como "Couples", o das intrigas sexuais, ou "Roger's Version", em que o herói procura
Deus no computador. John Updike é, além disso, um refinado
contista e um poeta leve, despretensioso, mas frequentemente tocante, como os brasileiros podem ajuizar pelo poema "Rio de Janeiro", que ele
publicou em "The New Yorker"
ao regressar aos Estados Unidos, depois de visitar o Brasil
em março de 1992.
No entanto, se tudo indica
que os romances de Updike terão sempre uma posição
honrosa na literatura dos Estados Unidos e que seus contos e
poemas também figurarão em
antologias vindouras, seu lugar,
talvez o mais certo, no futuro é
o de ensaísta e crítico de ideias,
ao lado de contemporâneos
eminentes como George Steiner ou de clássicos do gênero de
William Hazlitt.
À segurança do julgamento
crítico, ao invariável bom gosto,
ao toque de malícia e elegância
do texto, o ensaísta Updike
aliou sempre os ingredientes
fundamentais: a cultura vasta, a
incansável disposição de pesquisa. Um ensaísta dessa estirpe é tão raro quanto um grande
romancista, contista, poeta.
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