São Paulo, quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

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análise

Foi popular e prolífico, mas não brilhante

MARCOS STRECKER
DA EQUIPE DE EDITORIALISTAS

Com a morte de John Updike, sai de cena um dos maiores nomes da literatura americana contemporânea. Era um dos mais prolíficos, populares, versáteis e premiados. Mas nem por isso era brilhante.
Updike foi o grande retratista da classe média americana -no mau sentido. Mostrava a consciência dos subúrbios brancos com alguma ambição -estilística e formal-, mas seus livros se assemelhavam a crônicas despretensiosas.
É o caso da série Coelho ("Coelho Corre", "Coelho em Crise", "Coelho Cresce" e "Coelho Cai"). Essa rapsódia rasa da sociedade americana no pós-guerra podia, é certo, afagar uma certa inquietação da geração "baby boom". Reproduzia os ecos da contracultura, flertava com a inquietação dos 60. Mas, no fundo, fazia a apologia do establishment.
Esse diálogo fácil com o senso comum explica em parte seu enorme sucesso de vendas. Era best-seller recorrente e conseguia um certo prestígio, que lhe valeu as principais distinções literárias americanas -dois Prêmios Pulitzers e dois National Book Award.
Nem por isso convencia a crítica americana e a europeia como um todo. Norman Mailer, um dos pais do "new journalism", era um de seus grandes detratores.

Alegorias frágeis
Suas alegorias eram frágeis ou francamente sem graça. É o caso de "Brazil", que procurou inspirar-se numa visão-clichê do país para tratar da utopia da reconciliação social e racial. Em "Terrorista", traçou um retrato superficial dos EUA pós-11 de Setembro pelo olhar de um jovem que se vê confrontado entre dois mentores antípodas. Foi um dos grandes fracassos nesse quase subgênero literário que tentou compreender os atentados pelo olhar perplexo americano.
Uma de suas obras mais conhecidas, "As Bruxas de Eastwick", é um bom exemplo do abuso na procura do erotismo fácil pelo olhar suburbano, no sentido americano. Era um retratista do cotidiano e das miudezas.
Mas era um resenhista atualizado e respeitado que, como o sul-africano J.M. Coetzee, soube transitar entre a produção crítica e ficcional com elegância e acuidade. Escrevia com frequência, por exemplo, para a "New Yorker", a mais prestigiosa revista literária americana. Sua série de ensaios, contos e poemas compõem um resumo do pensamento intelectual americano dos últimos 50 anos.
Autor competente, Updike não tinha porém uma estatura autoral que se igualasse à de mestres como Philip Roth ou Cormac McCarthy. Esses, ao lado do arredio Thomas Pynchon e do irregular Don DeLillo fazem da literatura americana um celeiro da melhor produção romanesca contemporânea, juntamente com a britânica.


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