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CINEMA
Relançamento de "Crepúsculo dos Deuses" traz comentários do biógrafo Ed Silkov e três documentários curtos
DVD enriquece um dos clássicos de Billy Wilder
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Em março, quando se completa um ano da morte de Billy
Wilder (1906-2002), lojas e locadoras do país devem receber o
DVD de "Crepúsculo dos Deuses" (Sunset Blvd.). Trata-se de
um clássico, na genuína acepção
dessa palavra tão desgastada, e o
DVD faz jus à sua importância,
com cardápio de informações
preciosas sobre o mestre.
Wilder pode não ter sido o cineasta americano por excelência
(até porque era austríaco e chegou a Hollywood em 1934, fugindo de Hitler), mas talvez seja o maior símbolo do que o cinema
americano foi em seu passado
mais feliz. Uniu a tradição do
"playwriting" (com a ajuda do roteirista e parceiro Charles Brackett) com a grande tradição do cinema de gênero. Passeou, com facilidade, pelo filme noir ("Pacto de Sangue"), pelo drama ("Farrapo Humano"), pela comédia
("Quanto Mais Quente Melhor")
e pelo romântico ("Sabrina").
Mas "Crepúsculo dos Deuses"
(1950) é inclassificável. Nele o cineasta se voltou para Hollywood,
obrigando o sistema hollywoodiano a olhar para si mesmo ao
conseguir o financiamento e a estrutura da Paramount para contar
uma história amarga sobre a indústria do cinema. "Wilder ter
conseguido o sinal verde para
produzir o filme mostra como estava com prestígio na indústria",
diz seu biógrafo, Ed Silkov, na ótima faixa de comentários, com legendas em português, do DVD.
Wilder fala de um mundo decadente e corrupto. Gloria Swanson
e Eric Von Stroheim se expõem de
forma corajosa. A própria Gloria
foi uma estrela do cinema mudo
que não sobreviveu à era falada,
como sua personagem Norma
Desmond. Eric Von Stroheim foi
um cineasta genial e maldito, autor de "Ouro e Maldição", mas
que teve a carreira destruída após
conflitos com produtores.
"Crepúsculo dos Deuses" traz
outras referências a Hollywood,
com participações de figuras como Cecil B. de Mille ou Buster
Keaton. Além do filme e do depoimento de Silkov, há três documentários curtos e muito informativos. O primeiro, um making
of de meia hora, traz depoimentos
do veterano produtor da Paramount A.C. Lyles, da atriz Nancy
Olson e de Silkov. O segundo fala
da figurinista Edith Head, vencedora de oito Oscar, e o terceiro, do
compositor Franz Waxman.
Um dos muitos toques de gênio
de "Crepúsculo dos Deuses" está
na narração "em off", em que o
roteirista Joe Gillis (William Holden), já morto, conta seu envolvimento com Norma Desmond.
Mas a primeira versão do filme
começava de forma ainda mais
radical, com o cadáver de Gillis
em um necrotério contando sua
história para outros cadáveres. O
DVD traz esse trecho do roteiro, a
partir do qual é possível assistir às
(poucas) cenas que sobraram
dessa versão.
No making of, explica-se porque ela foi abandonada. A Paramount promoveu uma sessão-teste do filme em que a platéia riu
às gargalhadas. Wilder se chocou.
Sabia que o que era para ser algo
engraçado e sardônico acabou
tendo um resultado grotesco e
constrangedor. Corrigiu o princípio do filme, de modo brilhante.
Quando estreou, em 1950, "Crepúsculo dos Deuses" provocou
aplausos, fúria e algum constrangimento. Consta que Louis B. Mayer, o todo-poderoso da MGM,
saiu furioso. "Como você teve coragem?", teria perguntado, aos
berros, para Wilder. Não foi capaz
de enxergar que, apesar de ter retratado um mundo corrompido e
alucinado, havia no filme uma
profunda paixão pelo cinema.
Crepúsculo dos Deuses
Sunset Blvd.
Direção: Billy Wilder
Produção: EUA, 1950
Com: Gloria Swanson, William Holden e
Eric Von Stroheim
Quanto: R$ 36, em média
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