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São Paulo, sexta-feira, 28 de fevereiro de 2003

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CINEMA

Relançamento de "Crepúsculo dos Deuses" traz comentários do biógrafo Ed Silkov e três documentários curtos

DVD enriquece um dos clássicos de Billy Wilder

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Em março, quando se completa um ano da morte de Billy Wilder (1906-2002), lojas e locadoras do país devem receber o DVD de "Crepúsculo dos Deuses" (Sunset Blvd.). Trata-se de um clássico, na genuína acepção dessa palavra tão desgastada, e o DVD faz jus à sua importância, com cardápio de informações preciosas sobre o mestre.
Wilder pode não ter sido o cineasta americano por excelência (até porque era austríaco e chegou a Hollywood em 1934, fugindo de Hitler), mas talvez seja o maior símbolo do que o cinema americano foi em seu passado mais feliz. Uniu a tradição do "playwriting" (com a ajuda do roteirista e parceiro Charles Brackett) com a grande tradição do cinema de gênero. Passeou, com facilidade, pelo filme noir ("Pacto de Sangue"), pelo drama ("Farrapo Humano"), pela comédia ("Quanto Mais Quente Melhor") e pelo romântico ("Sabrina").
Mas "Crepúsculo dos Deuses" (1950) é inclassificável. Nele o cineasta se voltou para Hollywood, obrigando o sistema hollywoodiano a olhar para si mesmo ao conseguir o financiamento e a estrutura da Paramount para contar uma história amarga sobre a indústria do cinema. "Wilder ter conseguido o sinal verde para produzir o filme mostra como estava com prestígio na indústria", diz seu biógrafo, Ed Silkov, na ótima faixa de comentários, com legendas em português, do DVD.
Wilder fala de um mundo decadente e corrupto. Gloria Swanson e Eric Von Stroheim se expõem de forma corajosa. A própria Gloria foi uma estrela do cinema mudo que não sobreviveu à era falada, como sua personagem Norma Desmond. Eric Von Stroheim foi um cineasta genial e maldito, autor de "Ouro e Maldição", mas que teve a carreira destruída após conflitos com produtores.
"Crepúsculo dos Deuses" traz outras referências a Hollywood, com participações de figuras como Cecil B. de Mille ou Buster Keaton. Além do filme e do depoimento de Silkov, há três documentários curtos e muito informativos. O primeiro, um making of de meia hora, traz depoimentos do veterano produtor da Paramount A.C. Lyles, da atriz Nancy Olson e de Silkov. O segundo fala da figurinista Edith Head, vencedora de oito Oscar, e o terceiro, do compositor Franz Waxman.
Um dos muitos toques de gênio de "Crepúsculo dos Deuses" está na narração "em off", em que o roteirista Joe Gillis (William Holden), já morto, conta seu envolvimento com Norma Desmond. Mas a primeira versão do filme começava de forma ainda mais radical, com o cadáver de Gillis em um necrotério contando sua história para outros cadáveres. O DVD traz esse trecho do roteiro, a partir do qual é possível assistir às (poucas) cenas que sobraram dessa versão.
No making of, explica-se porque ela foi abandonada. A Paramount promoveu uma sessão-teste do filme em que a platéia riu às gargalhadas. Wilder se chocou. Sabia que o que era para ser algo engraçado e sardônico acabou tendo um resultado grotesco e constrangedor. Corrigiu o princípio do filme, de modo brilhante.
Quando estreou, em 1950, "Crepúsculo dos Deuses" provocou aplausos, fúria e algum constrangimento. Consta que Louis B. Mayer, o todo-poderoso da MGM, saiu furioso. "Como você teve coragem?", teria perguntado, aos berros, para Wilder. Não foi capaz de enxergar que, apesar de ter retratado um mundo corrompido e alucinado, havia no filme uma profunda paixão pelo cinema.


Crepúsculo dos Deuses
Sunset Blvd.
    
Direção: Billy Wilder
Produção: EUA, 1950
Com: Gloria Swanson, William Holden e Eric Von Stroheim
Quanto: R$ 36, em média



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