|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MEMÓRIA
Vai-se o fundador, ficam os Demônios da Garoa
RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Último remanescente da formação original do tradicionalíssimo
conjunto paulistano Demônios
da Garoa, morreu em São Paulo
na última sexta, dia 25, Toninho,
nascido Antônio Gomes Neto. O
músico tinha 76 anos de idade e
sofria de diabetes e mal de Alzheimer e tinha câncer de próstata.
Afastado dos Demônios há pouco
mais de um ano devido à sua saúde frágil, Toninho foi internado
no dia 17 de janeiro e transferido
para a UTI no último dia 10. Vai-se um dos fundadores, fica a instituição criada: no mesmo fim de
semana após sua morte, os Demônios decidiram continuar tocando, fazendo shows especiais
em homenagem ao fundador,
deixando a tristeza dar lugar à alegria da música.
Criado em 1943 (originalmente
com o nome Grupo do Luar) no
bairro da Mooca por Arnaldo Rosa, Francisco Paulo Gato, Arthur
Bernardo, Cláudio Rosa e Toninho, o Demônios da Garoa é hoje
o "mais antigo conjunto vocal do
Brasil em atividade" -está no
"Guinness". O grupo começou na
música cantando de graça em festas e clubes e fazendo serenatas
sob encomenda, até que se inscreveram em um programa de calouros e acabaram ficando em primeiro lugar, ganhando contrato
com as Emissoras Unidas (que
contava com as rádios Bandeirantes e Record, entre outras).
Em 1949 participaram da trilha
sonora do filme "O Cangaceiro",
de Lima Barreto (filme, aliás, premiado no Festival de Cannes naquele ano), e pela mesma época
conheceram o compositor Adoniran Barbosa, figura importante
na carreira do grupo. Filho de
imigrantes italianos, Adoniran
compunha sambas que funcionavam como crônicas da vida do
paulistano típico, de bairros como Bexiga, Brás e Mooca, daqueles que falam "ôrra, meu". Como
os Demônios, que se identificaram e lançaram várias composições suas, como "Saudosa Maloca" (1954), "Samba do Arnesto"
(1954) e "Trem das Onze" (1964),
todas enormes sucessos nas carreiras do conjunto e de Adoniran.
Por suas características tão tipicamente da cidade, tanto intérpretes como compositor se tornaram ícones de São Paulo, e de São
Paulo em uma época, pelo bom
humor, pela originalidade e pela
interpretação que ao mesmo tempo homenageia e ri do paulistano.
Antes de Vinicius fazer sua famosa (e injusta) declaração sobre São
Paulo ser o túmulo do samba, os
Demônios já eram genuínos representantes de uma vertente
paulista do gênero, e mais -carregando toda a personalidade da
"terra da garoa". Como nos "erros" e pronúncias tipicamente
paulistanos ("nós fumos e não encontremos ninguém").
Criado em uma época em que
eram comuns os conjuntos vocais
como Anjos do Inferno e Bando
da Lua, os Demônios não utilizavam-se de harmonias mirabolantes, mas criaram um estilo único
de cantarolar as melodias com divertidas onomatopéias nas introduções, fazendo scats como
"cans-cans-cans-cans" e "cascaringundum". Todos também
bons instrumentistas, utilizavam-se até do pouco conhecido violão-tenor, com quatro cordas, próximo do banjo e do bandolim, que
era tocado por Toninho. Em mais
de 60 anos de conjunto, lançaram
dezenas de discos, e atualmente
continuam tocando com freqüência em lugares como o Bar Brahma, no centro. Para quem nunca
assistiu show deles, é como andar
na avenida Paulista ou passear no
parque Ibirapuera: tem que ser
feito e vai valer muito a pena.
Texto Anterior: Isto é Dalí Próximo Texto: Erudito: Com casa lotada, Sinfonia Cultura faz seu concerto final Índice
|