São Paulo, segunda-feira, 28 de fevereiro de 2005

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TELEVISÃO

Com supervisão do cineasta Hector Babenco, programa está sendo filmado em presídio fechado em 2002

Série da Globo ativa pavilhão do Carandiru

DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

Desativado em 2002, o pavilhão 5 da Casa de Detenção de São Paulo virou casa cheia de novo. Nos últimos meses, operários reformaram suas celas. Desde 22 de janeiro, tem gente circulando pelos corredores e olhando pelas grades das janelas, que voltaram a ser varal de roupas. Só falta o cheiro acre, mistura de suor com tempero de comida e maconha, que impregnava aquele que foi o maior presídio da América Latina, com 7.800 detentos.
É no pavilhão 5, um dos quatro que sobraram de pé no complexo prisional, que está sendo filmada a série "Carandiru - Outras Histórias", subproduto do bem-sucedido longa-metragem de 2003. A série será apresentada pela Globo em dez episódios de pouco mais de meia hora, às sextas, por volta das 23h, a partir de junho ou julho. Será precedida pela exibição do longa em "Tela Quente".
Até o início de abril, passarão diariamente pelo pavilhão 5 centenas de pessoas, entre elenco, figurantes, equipe técnica e de produção -que está "hospedada" no andar térreo, a poucos metros do lugar onde havia um campo de futebol, cenário de muitas brigas que acabariam em morte.
A série inicialmente seria rodada nos estúdios da Vera Cruz, onde foram filmadas as cenas internas de "Carandiru". Quando o filme foi produzido, a Casa de Detenção ainda estava ativa.
Mas, com o apoio do governo estadual, optou-se por realizar "Carandiru - Outras Histórias" no que sobrou do presídio. "Não tem estúdio que substitua uma tomada de um preso olhando pela janela com outro pavilhão ao fundo", justifica Fabiano Gulanne, produtor-executivo da série.
Filmar naquilo que foi o cenário original da história enriquece a série, mas tem um inconveniente: o ruído externo.
Eventualmente, as filmagens de "Carandiru - Outras Histórias" são interrompidas por tiros da mesma Polícia Militar que tanto assombrava os moradores do presídio ou por pequenas aeronaves (a Casa de Detenção fica próxima do aeroporto Campo de Marte, na zona norte).
Na última sexta, quando a produção da série abriu o set de filmagens à imprensa, homens da tropa de choque faziam treinamento de invasão de presídio em um outro pavilhão da Casa de Detenção, com tiros e explosões que chamavam a atenção. Isso interfere no cronograma. "A gente está compondo com a agenda de todo mundo", diz Gulanne, sobre os treinamentos da PM.
A produção recebeu o pavilhão 5 semidestruído. Não havia mais fiações de luz e as celas e corredores estavam sem portas e grades de ferro. Havia muito entulho.
Três andares foram recuperados. Um deles abriga o refeitório, a lavanderia, a maquiagem, celas que viraram camarins e o figurino, que ocupa todo um longo corredor. Em outro andar, todas as celas foram reformadas e viraram cenários das filmagens.

Personagens
"Carandiru - Outras Histórias" não será uma continuação do filme, segundo o cineasta Hector Babenco, diretor-geral da série. Também não é uma filmagem fiel das histórias relatadas pelo médico Drauzio Varella no livro "Estação Carandiru", de 1999, que originou o longa-metragem.
"As histórias não partem do livro, mas do que sobrou do que foi escrito para o filme. Nós reinventamos o universo que o Drauzio Varella foi capaz de captar. Os personagens são os que sobreviveram no longa", diz Babenco.
O massacre de 111 presos, em 1992, não será reencenado, mas será lembrado. "Demos aos personagens uma nova vida pregressa ou posterior ao massacre. São histórias que não querem legitimar nada", diz o cineasta.
Os dez episódios da série narram histórias com começo e fim. Não há continuação e poucos personagens aparecem em mais de um capítulo, como o médico (Luiz Carlos Vasconcelos, que representa Varella, o narrador).
Seu Chico (Milton Gonçalves) e Majestade (Ailton Graça), que se destacam no filme, voltam a protagonizar episódios da série. Ezequiel (Lázaro Ramos), que morreu no filme, será "ressuscitado". O encontro de uma prancha de surfe que fora dele será o gancho para contar a trajetória do surfista que as drogas tragaram em "Ezequiel, O Azarado".
Além deste, os episódios têm títulos (ainda provisórios) de "Love Story", "Ao Mestre com Carinho", "Além da Imaginação" e "Indulto de Natal". Para "O Julgamento", a produção reconstruiu a cozinha do pavilhão 5. Nela, será mostrado como os presos selavam o destino de quem cometia crimes contra o código de ética da cadeia.
Os roteiros de todos os episódios são assinados pelo próprio Babenco, Fernando Bonassi e Victor Navas -os mesmos do filme. Drauzio Varella, segundo Babenco, desenvolveu o argumento de uma história que não está no livro e que será transformada no episódio "Vila Prudente".
O elenco praticamente repete o do filme, com algumas ausências e novos atores. Estarão na série Maria Luisa Mendonça (Dalva), Floriano Peixoto (Antonio Carlos), Caio Blat (Deusdete) e Aída Leiner (Rosirene), além de Xuxa Lopes e Otávio Augusto, entre muitos outros.
Rodrigo Santoro (que no longa interpretou o travesti Lady Di) e Gero Camilo (Sem Chance) são as ausências mais notadas. Segundo Babenco, que em dezembro afirmou que não havia mais história dos dois a ser contada, o problema foi a agenda de Santoro.
Mas a temática do homossexualismo não ficará fora de "Carandiru - Outras Histórias". Uma das tramas será a do preso que, após cumprir a pena, tenta reconstituir sua vida, à espera do companheiro, um travesti, que continua detido e com quem troca cartas de amor. Mas não agüenta a distância e arma um plano para voltar à Casa de Detenção.


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