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JOÃO PEREIRA COUTINHO
O talentoso sr. Fukuyama
O intelectual brinda-nos com uma reflexão arguta sobre o radicalismo islamita que cresce no coração da Europa
FRANCIS FUKUYAMA é o típico
intelectual que compensa a
ausência de solidez teórica
com um sentido de timing perfeito.
Ou quase.
Em 1989, o Muro de Berlim desabava sobre a cabeça dos stalinistas
da Europa, e Fukuyama não perdeu
tempo em anunciar ao mundo que a
história chegara ao fim. Infelizmente, o mundo discordou da "utopia liberal" de Fukuyama e continuou
sua marcha rumo ao 11 de Setembro.
Ele não se mostrou impressionado: com a mesma facilidade com que
defendera o "fim da história", defendia agora o fim de qualquer alternativa que não fosse a democracia liberal. Um passe de mágica para salvar
o coelho da cartola.
O mesmo aconteceu com os esforços de "democratização" do Oriente
Médio. Fukuyama aplaudiu a aventura e saltou de imediato para o barco neoconservador. Mas, quando o
barco começou a meter água, Fukuyama foi o primeiro a saltar fora com
uma tese renovada: a "democratização" do Oriente Médio, afinal, era a
raiz do problema, e não a solução.
E agora? Agora, Fukuyama brinda-nos na revista "Prospect" com
uma reflexão arguta sobre o radicalismo islamita que cresce no coração
da Europa. E afirma, contra Samuel
Huntington e a favor de Olivier Roy,
que a origem da violência não está
na cultura islâmica (Huntington),
mas num específico problema de
identidade (Roy). Que problema?
Por um lado, o autor lamenta que
as sociedades liberais do Ocidente,
adotando uma posição de neutralidade perante diferentes concepções
de vida, sejam incapazes de oferecer
um conjunto de valores que as novas
gerações de imigrantes islâmicos
possam assimilar e defender. Esse
vazio é ocupado pelo fundamentalismo. Mas, por outro lado, e sem
suspeita de contradição, Fukuyama
também lamenta que as sociedades
liberais do Ocidente defendam determinados valores "nacionais" que
muitas vezes excluem diferentes
culturas. Uma imposição que só gera
reação.
Fatalmente, Fukuyama está errado. Está errado ao excluir da equação fundamentalista a dimensão
cultural do islã. Se o problema do
terrorismo se explica com uma
ameaça à identidade das populações
imigrantes (que se confrontam com
o vazio liberal, ou então com a imposição dos valores liberais; você escolhe), seria interessante que Fukuyama explicasse por que motivo esse
problema não se verifica entre outras comunidades imigrantes que
habitam pacificamente a Europa.
Eu não conheço terroristas hindus.
Mas Fukuyama está sobretudo errado ao acusar o Ocidente de ter valores, e de não os ter. De impor certos valores, e de não os impor. No
fundo, de possuir uma identidade, e
de não possuir identidade nenhuma. Fukuyama acredita que, com
um pé em cada margem, será possível agradar a gregos e troianos, a
conservadores e multiculturalistas.
E, agradando a toda a gente, o futuro
não irá imitar o passado, enfiando as
suas teses no caixote do lixo da discussão intelectual.
Mau caminho, sr. Fukuyama. Porque quem deseja conservar o bolo e
comê-lo acaba sempre por morrer
de boca aberta.
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