São Paulo, quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOÃO PEREIRA COUTINHO

O talentoso sr. Fukuyama

O intelectual brinda-nos com uma reflexão arguta sobre o radicalismo islamita que cresce no coração da Europa

FRANCIS FUKUYAMA é o típico intelectual que compensa a ausência de solidez teórica com um sentido de timing perfeito. Ou quase.
Em 1989, o Muro de Berlim desabava sobre a cabeça dos stalinistas da Europa, e Fukuyama não perdeu tempo em anunciar ao mundo que a história chegara ao fim. Infelizmente, o mundo discordou da "utopia liberal" de Fukuyama e continuou sua marcha rumo ao 11 de Setembro.
Ele não se mostrou impressionado: com a mesma facilidade com que defendera o "fim da história", defendia agora o fim de qualquer alternativa que não fosse a democracia liberal. Um passe de mágica para salvar o coelho da cartola.
O mesmo aconteceu com os esforços de "democratização" do Oriente Médio. Fukuyama aplaudiu a aventura e saltou de imediato para o barco neoconservador. Mas, quando o barco começou a meter água, Fukuyama foi o primeiro a saltar fora com uma tese renovada: a "democratização" do Oriente Médio, afinal, era a raiz do problema, e não a solução.
E agora? Agora, Fukuyama brinda-nos na revista "Prospect" com uma reflexão arguta sobre o radicalismo islamita que cresce no coração da Europa. E afirma, contra Samuel Huntington e a favor de Olivier Roy, que a origem da violência não está na cultura islâmica (Huntington), mas num específico problema de identidade (Roy). Que problema?
Por um lado, o autor lamenta que as sociedades liberais do Ocidente, adotando uma posição de neutralidade perante diferentes concepções de vida, sejam incapazes de oferecer um conjunto de valores que as novas gerações de imigrantes islâmicos possam assimilar e defender. Esse vazio é ocupado pelo fundamentalismo. Mas, por outro lado, e sem suspeita de contradição, Fukuyama também lamenta que as sociedades liberais do Ocidente defendam determinados valores "nacionais" que muitas vezes excluem diferentes culturas. Uma imposição que só gera reação.
Fatalmente, Fukuyama está errado. Está errado ao excluir da equação fundamentalista a dimensão cultural do islã. Se o problema do terrorismo se explica com uma ameaça à identidade das populações imigrantes (que se confrontam com o vazio liberal, ou então com a imposição dos valores liberais; você escolhe), seria interessante que Fukuyama explicasse por que motivo esse problema não se verifica entre outras comunidades imigrantes que habitam pacificamente a Europa. Eu não conheço terroristas hindus.
Mas Fukuyama está sobretudo errado ao acusar o Ocidente de ter valores, e de não os ter. De impor certos valores, e de não os impor. No fundo, de possuir uma identidade, e de não possuir identidade nenhuma. Fukuyama acredita que, com um pé em cada margem, será possível agradar a gregos e troianos, a conservadores e multiculturalistas. E, agradando a toda a gente, o futuro não irá imitar o passado, enfiando as suas teses no caixote do lixo da discussão intelectual.
Mau caminho, sr. Fukuyama. Porque quem deseja conservar o bolo e comê-lo acaba sempre por morrer de boca aberta.


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Mostra exibe corpos e órgãos humanos reais
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.