São Paulo, sábado, 28 de fevereiro de 2009

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análise

Romance tem trama mais rica e suja que filme

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

O humor negro cumpre diversas funções em "Sua Resposta Vale um Bilhão", de Vikas Swarup. É o que permite, por exemplo, transitar pelo cenário de extrema pobreza dos meninos de rua indianos - em Déli, Mumbai (antiga Bombaim) e Agra - sem perder a batalha para o sentimentalismo.
A autoironia da narração em primeira pessoa, com ótimo uso de frases curtas e imagens recorrentes, possibilita também que doses pesadas de crítica sociopolítica sejam feitas de maneira mais efetiva do que se o texto discursasse, com ar professoral, contra as injustiças do país.
O órfão Ram Mohammad Thomas -cujo nome, sozinho, já embute o colorido anedótico do romance, ao fundir raízes hinduístas, muçulmanas e cristãs- aprende a se fazer de bobo, o que ajuda na sobrevivência, mas às vezes é mesmo ingênuo, o que o atira em dificuldades.
A alternância entre esperteza e fragilidade, o olhar agudo e a verve inquieta do protagonista criam com o leitor a cumplicidade necessária para que se associe esse contumaz contador de histórias à Sherazade de "As Mil e Uma Noites" e também ao personagem manipulador de Kevin Spacey em "Os Suspeitos" (1995).
Todos eles envolvem seus interlocutores porque precisam sobreviver, mas Ram Mohammad Thomas o faz também porque precisa falar. Ao torná-lo porta-voz de uma geração de indianos excluídos, em trama muito mais rica, suja e engenhosa do que sugere o filme "Quem Quer Ser um Milionário?", Vikas Swarup o transforma em um daqueles personagens que não queremos abandonar ao final do livro.


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