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Contraponto/cinema
"Milionário" não é péssimo; é filme bom no contexto errado
DA REPORTAGEM LOCAL
Danny Boyle não inventou a
roda com "Quem Quer Ser um
Milionário?". Não inventou
nem sequer um estilo. O filme
vencedor de oito Oscars encaixa-se de modo coerente na obra
deste imaginativo cineasta britânico, com produções de linguagem e montagem pop.
Seu universo lembra o do
cartum, descaradamente inverossímil, em que temas pesados
ou escatológicos (dos drogados
de "Trainspotting" aos miseráveis de "Milionário") são amenizados ao transitar num universo desde logo apresentado
como absurdo. Ou alguém acredita que um menino encharcado de merda possa conseguir o
autógrafo de uma celebridade?
Soma-se às suas escolhas o
fato de nunca ter se intimidado
com orçamentos relativamente
baixos. Enveredou por tramas
de ficção científica, caso de
"Sunshine" (2007) e "Extermínio" (2002), sem ter como investir em efeitos especiais.
Compensou com diálogos criativos e soluções engenhosas.
Agora vemos um duplo fenômeno. De um lado, "Milionário" arrebatou a Academia como se o estilo boyliano fosse
inédito e comercial. Não é. Tudo o que Boyle mostra está em
seus outros filmes. Sendo que,
em qualidade, todos transitam
do mediano ao bom, e nenhum
se saiu espetacular. De outro lado, a premiação gerou enorme
resposta negativa. As críticas à
produção vão desde considerá-la um retrato "fake" da Índia
até julgá-la apelativa por mostrar a "doçura" da miséria.
De fato, o resultado é "fake",
mas a verossimilhança não é
obrigatória no cinema. Há que
se ver o protagonista como um
anti-herói de HQ, não um verdadeiro favelado de Mumbai.
Sobre o segundo ponto, a discussão já cansou. Sim, "explorar" a pobreza pode ser um modo de fazer marketing com a
penúria alheia. Mas não consta
que Boyle tenha feito o filme
para levar o Nobel da Paz.
Já ouvi falarem que, com os
troféus a "Milionário", "Cidade
de Deus" enfim ganhou o Oscar. Não procede. Boyle fez um
filme ao seu modo, engraçadinho, edificante. Fernando Meirelles quis criar debate social.
Um brincou com o que viu; o
outro levou demasiado a sério.
Discordo da crítica de Inácio
Araujo na Ilustrada de 20/2.
"Milionário" não é péssimo. É
um filme de Boyle: alternativo,
pop, que faz piada com temas
duros tornando-os caricaturas.
O que o Oscar fez foi tirar a
obra do lugar. A saga do garoto
simples que vence o show de
perguntas e respostas encaixou-se no espírito da era Obama e no novo olhar de países ricos ao pobres. E aí a coisa desanda. "Milionário" não deveria se prestar a isso. Tinha de
passar longe de Hollywood.
O Oscar não combina com
esse diretor nerd e charmoso
como não combinou com Tarantino quando ele o levou por
"Pulp Fiction". E por isso decepcionou quem esperava a vitória do cinemão, de épicos babões como o chatérrimo "O Curioso Caso de Benjamin Button". Não se deve julgar "Milionário" muito além do que é: um
bom filme, que foi parar no
contexto errado.
(SC)
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