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Crítica/"Viaje a la Luna - Uma Biografia em Projeção"
Brasileiro faz reinterpretação de labirinto poético de Lorca
Análise de "Viaje a la Luna" vai além de vingança contra curta de Buñuel e Dalí
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
"Buñuel fez uma merdazinha assim de
pequenininha que
se chama "Um Cão Andaluz" e o
cachorro andaluz sou eu."
A reação irritada do poeta
Federico García Lorca (1898-1936) ao curta-metragem vanguardista realizado pelo cineasta Luís Buñuel em parceria
com o pintor Salvador Dalí em
1929 não se resumiu, contudo,
à raiva improdutiva.
Nos meses seguintes, Lorca,
em viagem a Nova York, escreveu um roteiro intitulado "Viaje a la Luna", mas o manuscrito
original ficou perdido até o fim
dos anos 80. Em 1994, sua concretização como filme foi realizada pelo cineasta catalão Frederic Amat.
Estruturado como uma sucessão de imagens com fortes
cargas simbólicas, o roteiro de
Lorca cristalizou-se, numa sucessão de interpretações, como
uma vingança contra os dois
amigos, de quem havia sido
companheiro de moradia estudantil na juventude, em Madri.
Sem negar esta possibilidade,
o pesquisador brasileiro Reto
Melchior abre outras frentes de
interpretação em "Viaje a la
Luna - Uma Biografia em Projeção" (ed. Perspectiva).
Labirinto de poesia
Em vez de reduzir o texto de
Lorca a mera operação de ressentimento, Melchior investiga
primordialmente os laços desse projeto cinematográfico
com a biografia de Lorca e, sobretudo, com as referências
culturais e estéticas da obra
poética do autor andaluz.
A astúcia do intérprete é avisada por uma observação feita
pelo próprio Buñuel na autobiografia "Meu Último Suspiro". "As pessoas imaginam encontrar alusões onde querem,
na medida em que se empenham em sentir-se aludidas",
defendeu-se daqueles que teimavam em ver em "Um Cão
Andaluz" uma sucessão de provocações, algumas profundamente desrespeitosas, ao amigo Lorca.
Melchior não deixa de abordar o diálogo possível entre o
projeto de Lorca e o curta surrealista de Buñuel-Dalí, mas o
trata de modo suplementar.
O núcleo mais produtivo da
pesquisa está no trânsito intertextual que o autor estabelece
com a produção poética de Lorca, em particular com suas fontes de inspiração, que vão desde
a iconografia da lua no imaginário cultural até a figura burlesca de Buster Keaton, passando pelo impacto metropolitano
sofrido pelo poeta na viagem a
NY. A abundância de referências é complementada por uma
cautelosa decifração de signos
de origem biográfica, mas sempre evitando reduzir a inspiração ao vivido.
Diante desta opção, o leitor
leigo pode se deparar com dificuldades num primeiro momento, devido ao arsenal erudito que Melchior reúne em sua
estratégia para escapar da armadilha da simplificação, ampliando nossa concepção, por
vezes estreita, de motivos.
Se insistir na leitura, contudo, será recompensado com
uma riquíssima teia de significados que iluminam não apenas a aventura cinematográfica
de García Lorca, constituindo-se também num convite para
nos perdermos no labirinto de
sua poesia.
VIAJE A LA LUNA - UMA BIOGRAFIA EM PROJEÇÃO
Autor: Reto Melchior
Editora: Perspectiva
Quanto: R$ 36 (193 págs.)
Avaliação: bom
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