São Paulo, sábado, 28 de fevereiro de 2009

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RODAPÉ LITERÁRIO

Todorov e a verdade dos livros


O autor sustenta que o conhecimento das leis da forma nunca foi, para ele, senão etapa preliminar


FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
COLUNISTA DA FOLHA

APESAR DE Campos de Carvalho e seu divertido "O Púcaro Búlgaro", não é literatura o que primeiro ocorre a este colunista quando se menciona a Bulgária. No entanto, para além do sabor das burekas, da sonoridade estranha e única dos coros de vozes femininas ou da sombria memória da vida atrás da cortina de ferro, vem de um influente ensaísta búlgaro, radicado na França há mais de 40 anos, Tzvetan Todorov, uma das defesas modernas mais enfáticas da importância da experiência literária na vida do homem comum.
Em "A Literatura em Perigo", o autor de "A Conquista da América" entrelaça sua biografia intelectual a um diagnóstico pessoal e crítico (mas longe de solitário, quase que uma tópica moderna) das práticas de leitura hegemônicas na atualidade. Para Todorov, assistimos a uma progressiva conversão da literatura em coisa de iniciados, tendo os textos literários se tornado cada vez mais pretextos para um bricabraque teórico-conceitual autônomo (entre os críticos) ou exercícios formais autorreflexivos (entre os autores).
De pouco em pouco, apostas institucionais (currículos escolares, modas acadêmicas e jornalismo cultural incluídos) têm apagado a presença essencial do mundo no literário, turvando a possibilidade desde sempre associada aos livros de, neles, nossa vida se cruzar com outras, imaginárias. Aos seus olhos, o modo contemporâneo de ler ficção e poesia -solipsista, niilista e formalista- pede uma guinada abrupta, voltando a valorizar as verdades complexas e a visão peculiar de um conjunto de valores que um grande romance ou um belo poema carregam. Não deixa de ser irônico que a proposta caiba logo a um dos maiores expoentes do estruturalismo francês dos anos 60. Filho de bibliotecários, Todorov, ainda menino, devorava adaptações de clássicos (de "Oliver Twist" a "Os Miseráveis") e, estudante de letras, em Sófia, viu-se forçado a primeiro optar pelo viés formalista, como solução geracional para driblar a censura totalitária.
Uma bolsa de estudos em Paris o jogou no colo do estrutralismo nascente, intensificando este aparente divórcio inicial entre literatura e vida. Mas, se militou no coração da ortodoxia estruturalista (que o digam os leitores de seu "A Gramática do Decameron", redução de Boccaccio a esquemas emprestados aos contos populares), Todorov, em mea-culpa discreto, sustenta que o conhecimento das leis da forma nunca foi, para ele, senão etapa preliminar.
E, de fato, livros sobre as consequências trágicas da incompreensão do outro durante a conquista espanhola da Mesoamérica ou no colaboracionismo francês mostram que, como leitor, ele nunca ignorou a centralidade da experiência humana, nem jamais rechaçou o leitor aparentemente ingênuo, aquele que pergunta em que a literatura pode fazê-lo melhor.


A LITERATURA EM PERIGO

Autor: Tzvetan Todorov
Tradução: Caio Meira
Editora: Difel
Quanto: R$ 25 (96 págs.)
Avaliação: ótimo



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