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10º FESTIVAL DE TEATRO DE CURITIBA
FRINGE
Outros destaques são "Relato", dirigido por Luiz Lucena, e a montagem de "Hamletmachine", de Heiner Müller
"Trainspotting" é revelação do Rio de Janeiro
KIL ABREU
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA
Dizer que "Trainspotting" é
o primeiro espetáculo do
Fringe com inquietação suficiente
para catalisar as atenções do Festival de Curitiba talvez seja exagero. Mas é inegável que o espetáculo carioca tem algumas qualidades que o diferenciam da média
dos trabalhos apresentados até
aqui no evento.
A comparação com o filme,
também baseado no romance de
Irvine Welsh, é dispensável. O espetáculo sustenta suas próprias
coordenadas formais para contar
a história do grupo de jovens comedores de ópio e viciados em
heroína.
A narrativa apresenta em frames tão rápidos quanto os de um
videoclipe o caleidoscópio de
imagens que revela ao público características do suposto universo
junkie: o vazio de sentido, habitado pelo hedonismo absoluto e pela negação da moral constituída.
O espetáculo tem o mérito de
não entrar na discussão das causas, bastando o mapeamento do
novo contrato social, o do grupo,
em que valem mais o cínico sadismo, o sexo sem amor e a postura
kamikaze frente às situações mais
prosaicas.
No entanto, "Trainspotting" diminui o alcance existencial dos
personagens ao idealizá-los como
drogados "típicos", em registro
de interpretação que reconhece
poucas nuanças em um universo
minado de contradições.
Nessa perspectiva, a montagem
quase se alia ao moralismo que
também critica. Ainda assim, o
espetáculo é vibrante, tem bom
elenco (liderado pelos ótimos Pedro Osório, Pedro Garcia e Gustavo Louchard) e deve empolgar
pela contemporaneidade do tema
e contundência da encenação.
Kafka e Heiner Müller
Outra boa surpresa no Fringe é
"Relato", o Kafka de Lori Santos,
dirigido por Luiz Lucena, de Curitiba.
Trabalhando no limite entre jogo e realidade não teatral, a dupla
paranaense articula a delicada leitura do "Relatório a uma Academia" quase na forma de uma anti-representação.
Na calmaria do diálogo direto e
sem pressa, a platéia é chamada a
intervir em uma discussão onde
resiste, subliminar, o comentário
kafkiano sobre o cinismo civilizatório, o aprendizado e uso das
máscaras sociais.
Cheia de dissonâncias e interferências "autorais" é a montagem
de "Hamletmachine", que chega
da Alemanha.
Com duas atrizes valentes em
cena (Carla Bessa e Fernanda Farah), o espetáculo chama a atenção pela radicalidade da proposta,
pautada na experimentação de
imagens e relatos exteriores à
obra de Heiner Müller.
E, apesar disso, arquitetado curiosamente sob certo espírito
brechtiano (de uso aberto e anti-ilusionista dos elementos da cena), não sabe se aprofunda a desconstrução do texto ou se tenta
explicá-lo, na voz autobiográfica
do próprio Müller.
O final, em que as atrizes abandonam o palco segredando sabe-se lá o que uma à outra, mostra o
autocentramento do projeto, que
abre uma porta falsa quando convida o público a elaborar os sentidos da cena.
Avaliação:
Trainspotting
Relato
Hamletmachine
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