São Paulo, quarta-feira, 28 de março de 2001

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10º FESTIVAL DE TEATRO DE CURITIBA

FRINGE

Outros destaques são "Relato", dirigido por Luiz Lucena, e a montagem de "Hamletmachine", de Heiner Müller

"Trainspotting" é revelação do Rio de Janeiro

KIL ABREU
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

Dizer que "Trainspotting" é o primeiro espetáculo do Fringe com inquietação suficiente para catalisar as atenções do Festival de Curitiba talvez seja exagero. Mas é inegável que o espetáculo carioca tem algumas qualidades que o diferenciam da média dos trabalhos apresentados até aqui no evento.
A comparação com o filme, também baseado no romance de Irvine Welsh, é dispensável. O espetáculo sustenta suas próprias coordenadas formais para contar a história do grupo de jovens comedores de ópio e viciados em heroína.
A narrativa apresenta em frames tão rápidos quanto os de um videoclipe o caleidoscópio de imagens que revela ao público características do suposto universo junkie: o vazio de sentido, habitado pelo hedonismo absoluto e pela negação da moral constituída.
O espetáculo tem o mérito de não entrar na discussão das causas, bastando o mapeamento do novo contrato social, o do grupo, em que valem mais o cínico sadismo, o sexo sem amor e a postura kamikaze frente às situações mais prosaicas.
No entanto, "Trainspotting" diminui o alcance existencial dos personagens ao idealizá-los como drogados "típicos", em registro de interpretação que reconhece poucas nuanças em um universo minado de contradições.
Nessa perspectiva, a montagem quase se alia ao moralismo que também critica. Ainda assim, o espetáculo é vibrante, tem bom elenco (liderado pelos ótimos Pedro Osório, Pedro Garcia e Gustavo Louchard) e deve empolgar pela contemporaneidade do tema e contundência da encenação.

Kafka e Heiner Müller
Outra boa surpresa no Fringe é "Relato", o Kafka de Lori Santos, dirigido por Luiz Lucena, de Curitiba.
Trabalhando no limite entre jogo e realidade não teatral, a dupla paranaense articula a delicada leitura do "Relatório a uma Academia" quase na forma de uma anti-representação.
Na calmaria do diálogo direto e sem pressa, a platéia é chamada a intervir em uma discussão onde resiste, subliminar, o comentário kafkiano sobre o cinismo civilizatório, o aprendizado e uso das máscaras sociais.
Cheia de dissonâncias e interferências "autorais" é a montagem de "Hamletmachine", que chega da Alemanha.
Com duas atrizes valentes em cena (Carla Bessa e Fernanda Farah), o espetáculo chama a atenção pela radicalidade da proposta, pautada na experimentação de imagens e relatos exteriores à obra de Heiner Müller.
E, apesar disso, arquitetado curiosamente sob certo espírito brechtiano (de uso aberto e anti-ilusionista dos elementos da cena), não sabe se aprofunda a desconstrução do texto ou se tenta explicá-lo, na voz autobiográfica do próprio Müller.
O final, em que as atrizes abandonam o palco segredando sabe-se lá o que uma à outra, mostra o autocentramento do projeto, que abre uma porta falsa quando convida o público a elaborar os sentidos da cena.


Avaliação:

Trainspotting
   

Relato
   

Hamletmachine
  



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