São Paulo, domingo, 28 de março de 2004

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MÔNICA BERGAMO

Greg Salibian/Folha Imagem
Da esquerda para a direita, Rogério, Márcio, Paulinho, PJ e Marco Tulio; o Jota Quest embarca para a turnê nordestina da banda, vice-líder de vendagem de discos no país, atrás apenas de Zeca Pagodinho

Vida de folia e caos

Já passava de uma da manhã de sábado quando 15 mil pessoas, a maioria adolescentes, se espremiam numa casa de espetáculos em Natal, Rio Grande do Norte. De máquinas fotográficas em punho, meninas histéricas, com tremeliques de tanto chorar, esperavam ansiosas pela entrada no palco do Jota Quest -uma das bandas de maior sucesso da música brasileira atual, com 400 mil cópias vendidas do último disco, e pelo menos meia dúzia de músicas-chiclete, aquelas que qualquer pessoa entre oito e 80 anos conhece ou sabe cantar. Lembra do "fácil, extremamente fácil"? E do "quero um amor maior..."? Pois é.

Enquanto isso, no camarim, Rogério Flausino, Marco Túlio, Marcio, Paulinho e PJ, os cinco integrantes do grupo, conversavam sobre assuntos tão diferentes como os rumos do "Big Brother", a forma física de cada um e o governo Lula.

 

"No governo do PT é cada um por si. O partido é a própria oposição. Não são um time. É um bando de jogadores, um puxando o tapete do outro", dizia o guitarrista Marco Túlio com o sotaque mineiro comum a todos no grupo. Entre goles de uísque com energético e bombons, a banda se aquece para entrar no palco. É o primeiro show da turnê pelo Nordeste. A próxima parada seria em Caruaru e, em seguida, João Pessoa. A coluna mergulhou no universo do Jota Quest por quatro dias.
 

O grupo recebe no camarim a presidente do fã-clube de Natal, Monaliza Maciel. O tecladista Márcio lhe dá um bombom. "Nem em sonho imaginei que isso fosse acontecer", disse a menina, com as mãos tremendo. "Lembra de uma fã que te deu uma árvore com pedrinhas em Fortaleza?", ela pergunta a Marcio. "Lembro", diz ele.
 

"Não tenho nem idéia de quem é", confessa, assim que a menina sai de lá -depois de uma falta de assunto constrangedora. A faixa etária dos admiradores do Jota Quest vai dos sete aos 27 anos. Crianças mandam cartinhas com desenhos, pedem para que o vocalista Rogério mande um ovo de Páscoa. Mulheres adultas vão ao camarim em microssaias e cruzam as pernas à la Sharon Stone na frente do boa-pinta Marco Túlio -que, casado e prestes a ser pai pela primeira vez, mantém a devida distância.
 

O show é aquilo mesmo que se espera de uma banda pop de sucesso: histeria, bilhetinhos amorosos voando para o palco, discursos de amor ao lugar, até que, epa!, Rogério diz que "graças a Deus o Brasil é um país onde não tem terrorismo nem miscigenação". Hã? Como? No camarim, o baterista Paulinho caçoa: "Diz aí, véio, que história foi aquela de que aqui não tem miscigenação?". Rogério, que já estava irritado com um problema do equalizador, dá uma cortada. Diz que não falou isso. "Falou, sim", todos dizem em coro. "Tô falando que não falei, não quero mais conversar sobre isso." Mas que falou, falou.
 

Espremidos perto da porta, fãs dão papéis ou fotos para o produtor do grupo, Helber Oliveira. Sua missão é devolvê-los autografados pelos integrantes da banda. Mas como no camarim ninguém tem muita paciência para isso, Helber mesmo os autografa. Bota lá um garrancho em que se lê "um abraço do Rogério Flausino" e pronto. Mais um fã satisfeito.
 

No dia seguinte, um avião levou a banda assim que todos acordaram -lá pelas 13h- para Recife, de onde partiriam num ônibus rumo a Caruaru. Antes de pegar a estrada, uma providencial parada para almoçar. À mesa e com o garfo indo à boca, Rogério recebe um cutucão de um fã que puxa conversa.

O rapaz explica que há alguns anos sofreu um acidente de carro, ficou dois meses em coma, sem falar ou reconhecer a voz de ninguém. E saiu do coma ao ouvir a música "Fácil".
 

"Tá vendo como tenho que ter paciência? Se tivesse sido grosseiro com aquele cara, eu iria morrer, morrer de remorso", contava ele mais tarde, com bastante ênfase no "morrer". É na estrada que o grupo bota o papo em dia. No resto do tempo que sobra entre uma viagem e outra, eles dormem. Ou comem.
 

Na van, começa o festival de besteirol. O backing vocal Thales diz jurar que o Saci Pererê do "Sítio do Pica-Pau Amarelo" "fica cada dia sem uma perna". "Prestei atenção. Um dia ele não tinha a direita e, no seguinte, estava sem a esquerda. Juro!"
 

"Aquela Solange do "Big Brother" é burrinha demais, sô", diz o baixista PJ. "Outro dia ela falou que achava que tinha "caren" no dente", lembrava. O "reality show" é acompanhado e comentado diariamente, assim como a novela "Celebridade". "Adoro uma novelinha", disse Rogério.
 

De cada dez fãs, nove procuram o vocalista. "Muita gente acha que eu sou o Jota Quest, que esse é o meu nome. Nem sabem que é uma banda", diz ele, rindo, e lembrando de um show em que o locutor chamou ao palco "Jota Quest, o cantor mais sexy do Brasil".
 

No dia seguinte, o ônibus partiu para João Pessoa, a última parada da primeira fase da turnê pelo Nordeste. A viagem foi feita ao som do trio inglês Morcheeba e desta vez foi a hora de falar sobre mulheres bonitas. "Sou apaixonado pela Sabrina Sato [ex-"BBB']. Tenho uma quedinha por japonesas. Acho que é a síndrome de Yoko Ono", dizia Rogério.
 

Já na capital da Paraíba, a banda faz um lanche rápido no camarim -sanduíches do McDonald's e uísque com energético-, antes de entrar no palco. Canta suas 15 músicas, provoca o frisson de praxe e volta para o hotel de madrugada. Todos queriam saber quem foram os indicados à eliminação do "Big Brother". Na terça-feira eles fariam mais um show, em Cabo de Santo Agostinho, e depois seguiriam para Belo Horizonte. Lá, teriam dois dias para ficar com a família, cuidar da vida pessoal. Na sexta-feira era hora de continuar a turnê. Fácil? Nem um pouco fácil.

@ - bergamo@folhasp.com.br

COM CLEO GUIMARÃES (REPORTAGEM) E ALVARO LEME



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