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CRÍTICA
Hebe brilha como uma TV na sala escura
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Desde quando Hebe Camargo virou uma unanimidade? Da cantora Kelly Key ao ministro Gilberto Gil, de José Luiz
Datena à primeira-dama do Estado de São Paulo, Lu Alckmin,
de Betty Szafir a Paulinho da Viola, todos foram reverenciar os 60
(!) anos de carreira da apresentadora na última segunda-feira.
Para além da sua longevidade na
televisão, é uma espécie de mistério o poder de Hebe.
Tinha algo de Oscar o programa-cerimônia. O especial, que se
arrastou por mais de duas horas
na última segunda-feira, foi gravado na Sala São Paulo, cujo exterior era mostrado em tomadas
semelhantes àquelas que mostram o Kodak Theatre de onde é
transmitido o Oscar, num curioso movimento de glamourização
e vulgarização simultâneas. Hebe
era, a um tempo, a mestre-de-cerimônias, a principal homenageada e a ganhadora suprema.
Como na festa de Hollywood, as
câmeras focalizavam os notáveis,
entre artistas, políticos, gente de
TV de várias emissoras ou simplesmente ricas emperiquitadas.
O mais intrigante, no entanto,
era o quão pouco havia para se
falar a respeito de Hebe. Fragmentos dos discursos e falas tomados aqui e ali -"ela é boa",
"passa (sic) alegria", "querida",
"muita honra estar aqui"- não
revelam lá muita coisa. Nem
mesmo o texto apologético de
Marilia Gabriela, lido por ela
mesma naquele tom de afeto enfático das homenagens televisivas, rendia muita coisa, além de
elogios genéricos.
O que transparecia era o fato de
que todos, sem exceção aparente,
pareciam ter alguma espécie de
dívida, não de gratidão, mas de
exibição. Era como se estivesse
sendo encenado um ritual da lógica televisiva: eu exibo, tu apareces, eles aplaudem.
Todas as segundas, ela escolhe
ali meia dúzia de personalidades,
de artistas, de notáveis para serem seus coadjuvantes na tarefa
de emitir os juízos sobre o que vai
no mundo, da semelhança da filha de Elis Regina com a mãe aos
problemas de segurança da cidade de São Paulo. Como "artista",
permite-se ligeiras e inócuas
transgressões, transbordamentos de sua personalidade exuberante, mas, como ideóloga da dona de casa, está sempre alerta para identificar e pontificar a respeito de quaisquer excessos, desvios, radicalismos e outros perigos semelhantes.
Ela é alegre, positiva -"só
penso em coisa positiva", dizia
na segunda-feira, sem especificar
onde estava o zero dessa equação- e brilha como uma TV na
sala escura. Faz amigos a torto e a
direito, à esquerda e à direita, acima e abaixo, mas escolhe para si
mesma uma confortável posição
central, de onde pode fazer o papel de árbitro da razoabilidade e
emitir seus pareceres medianos.
Hebe, que estava lá na primeira
transmissão, assim, confunde-se,
não com a história, mas com a
própria televisão brasileira.
@ - biabramo.tv@uol.com.br
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