São Paulo, domingo, 28 de março de 2004

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CRÍTICA

Hebe brilha como uma TV na sala escura

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Desde quando Hebe Camargo virou uma unanimidade? Da cantora Kelly Key ao ministro Gilberto Gil, de José Luiz Datena à primeira-dama do Estado de São Paulo, Lu Alckmin, de Betty Szafir a Paulinho da Viola, todos foram reverenciar os 60 (!) anos de carreira da apresentadora na última segunda-feira. Para além da sua longevidade na televisão, é uma espécie de mistério o poder de Hebe.
Tinha algo de Oscar o programa-cerimônia. O especial, que se arrastou por mais de duas horas na última segunda-feira, foi gravado na Sala São Paulo, cujo exterior era mostrado em tomadas semelhantes àquelas que mostram o Kodak Theatre de onde é transmitido o Oscar, num curioso movimento de glamourização e vulgarização simultâneas. Hebe era, a um tempo, a mestre-de-cerimônias, a principal homenageada e a ganhadora suprema. Como na festa de Hollywood, as câmeras focalizavam os notáveis, entre artistas, políticos, gente de TV de várias emissoras ou simplesmente ricas emperiquitadas.
O mais intrigante, no entanto, era o quão pouco havia para se falar a respeito de Hebe. Fragmentos dos discursos e falas tomados aqui e ali -"ela é boa", "passa (sic) alegria", "querida", "muita honra estar aqui"- não revelam lá muita coisa. Nem mesmo o texto apologético de Marilia Gabriela, lido por ela mesma naquele tom de afeto enfático das homenagens televisivas, rendia muita coisa, além de elogios genéricos.
O que transparecia era o fato de que todos, sem exceção aparente, pareciam ter alguma espécie de dívida, não de gratidão, mas de exibição. Era como se estivesse sendo encenado um ritual da lógica televisiva: eu exibo, tu apareces, eles aplaudem.
Todas as segundas, ela escolhe ali meia dúzia de personalidades, de artistas, de notáveis para serem seus coadjuvantes na tarefa de emitir os juízos sobre o que vai no mundo, da semelhança da filha de Elis Regina com a mãe aos problemas de segurança da cidade de São Paulo. Como "artista", permite-se ligeiras e inócuas transgressões, transbordamentos de sua personalidade exuberante, mas, como ideóloga da dona de casa, está sempre alerta para identificar e pontificar a respeito de quaisquer excessos, desvios, radicalismos e outros perigos semelhantes.
Ela é alegre, positiva -"só penso em coisa positiva", dizia na segunda-feira, sem especificar onde estava o zero dessa equação- e brilha como uma TV na sala escura. Faz amigos a torto e a direito, à esquerda e à direita, acima e abaixo, mas escolhe para si mesma uma confortável posição central, de onde pode fazer o papel de árbitro da razoabilidade e emitir seus pareceres medianos.
Hebe, que estava lá na primeira transmissão, assim, confunde-se, não com a história, mas com a própria televisão brasileira.


@ - biabramo.tv@uol.com.br


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