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Borghi enfrenta o tédio em "Tio Vânia"
ERIKA SALLUM
enviada especial a Curitiba
O tédio e a preguiça assolam, a
partir de hoje, o teatro Sesc, em
Curitiba. Com 40 anos de carreira,
o ator Renato Borghi encabeça o
espetáculo "Tio Vânia", do dramaturgo russo Anton Tchecov
(1860-1904), que estréia nesta noite no 7º Festival de Curitiba.
Considerada uma das peças mais
importantes de Tchecov, "Tio
Vânia" tem direção de Élcio Nogueira e ainda traz no elenco
Abraão Farc, Mariana Lima, Leona Cavalli e Wolney de Assis, entre
outros.
Tio Vânia, um homem de
meia-idade que vive no campo,
dedicou sua vida ao professor Serebriakov, para quem mandava
dinheiro na cidade. Sem ter como
se sustentar, o professor, aposentado, vai viver na fazenda de Vânia.
"Aí ele descobre que Serebriakov
não tem o brilho que pensava, que
é um medíocre, uma fraude. Tio
Vânia se sente profundamente lesado, jogou a vida no lixo", define
Borghi, que faz o papel-título.
Monotonia, tédio e muita preguiça perseguem os personagens
desse texto, produzido há exatos
101 anos e descrito pelo autor apenas como "cenas da vida rural em
quatro atos".
"Acontece como hoje em dia: é
tão difícil e trabalhoso mudar a situação do Brasil que bate uma
enorme vontade de não fazer nada, de se jogar no tapete e dizer:
"Ah, deixa para lá"', diz Élcio Nogueira.
O diretor acrescenta, porém,
que tédio, no caso de Tchecov,
não significa morte, paralisação
-"esse é o maior erro de quem
monta as obras do dramaturgo".
Em seu lugar, Nogueira instaura
sua "tedioatividade", "ondas de
ansiedade e angústia que acometem os personagens". Ou seja: nada de longas pausas, falas contidas, gestos compridos. "As aflições têm de explodir em ações, senão você escraviza a platéia e afasta Tchecov do espectador."
Para fugir do "erro tchecoviano"
-nas palavras do próprio Borghi- e não o tornar "um chato",
o grupo passou por um processo
de criação que incluiu desde fotos
da família dos atores a quase dois
meses de improvisação.
"Cada um trouxe fotografias
marcantes de sua vida. Entramos
nesse universo da família, dos almoços de domingo, onde se encontra a atmosfera tchecoviana",
contou a atriz Mariana Lima.
Trazendo o autor russo para a
vida real, Renato Borghi faz um
paralelo entre a situação de Vânia/Serebriakov e a dele mesmo
com o teatro brasileiro:
"Num determinado período,
nos anos 60, eu acreditei no teatro,
vanguarda de seu tempo. Na década de 80, foi a decepção, ele virou
um verdadeiro supermercado."
Hoje, o ator -que entrou para a
história da arte no Brasil em montagens do grupo Oficina- afirma
ter descoberto o prazer pessoal:
"Parte dos espetáculos, eu faço
para mim, porque me realiza. Se
eu for pensar nas dificuldades de
produção neste país, não faço nada, como numa cena de Tchecov".
No palco
O espetáculo, que deve estrear
em abril em São Paulo, possui cerca de 2h30. A peça começa com as
cortinas fechadas, num espaço do
palco que avança sobre a platéia e
que representa um jardim.
Os atos seguintes vão ocupando
o resto do tablado, com uma cenografia que, se no início parece realista, vai adquirindo posteriormente aspectos impressionistas.
No intervalo, o público ouvirá
depoimentos de pessoas sobre o
novo milênio. As músicas são, em
grande parte, de Heitor Villa-Lobos. "Tio Vânia" termina ao som
de Elis Regina.
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