São Paulo, sábado, 28 de março de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Borghi enfrenta o tédio em "Tio Vânia"

ERIKA SALLUM
enviada especial a Curitiba

O tédio e a preguiça assolam, a partir de hoje, o teatro Sesc, em Curitiba. Com 40 anos de carreira, o ator Renato Borghi encabeça o espetáculo "Tio Vânia", do dramaturgo russo Anton Tchecov (1860-1904), que estréia nesta noite no 7º Festival de Curitiba.
Considerada uma das peças mais importantes de Tchecov, "Tio Vânia" tem direção de Élcio Nogueira e ainda traz no elenco Abraão Farc, Mariana Lima, Leona Cavalli e Wolney de Assis, entre outros.
Tio Vânia, um homem de meia-idade que vive no campo, dedicou sua vida ao professor Serebriakov, para quem mandava dinheiro na cidade. Sem ter como se sustentar, o professor, aposentado, vai viver na fazenda de Vânia.
"Aí ele descobre que Serebriakov não tem o brilho que pensava, que é um medíocre, uma fraude. Tio Vânia se sente profundamente lesado, jogou a vida no lixo", define Borghi, que faz o papel-título.
Monotonia, tédio e muita preguiça perseguem os personagens desse texto, produzido há exatos 101 anos e descrito pelo autor apenas como "cenas da vida rural em quatro atos".
"Acontece como hoje em dia: é tão difícil e trabalhoso mudar a situação do Brasil que bate uma enorme vontade de não fazer nada, de se jogar no tapete e dizer: "Ah, deixa para lá"', diz Élcio Nogueira.
O diretor acrescenta, porém, que tédio, no caso de Tchecov, não significa morte, paralisação -"esse é o maior erro de quem monta as obras do dramaturgo".
Em seu lugar, Nogueira instaura sua "tedioatividade", "ondas de ansiedade e angústia que acometem os personagens". Ou seja: nada de longas pausas, falas contidas, gestos compridos. "As aflições têm de explodir em ações, senão você escraviza a platéia e afasta Tchecov do espectador."
Para fugir do "erro tchecoviano" -nas palavras do próprio Borghi- e não o tornar "um chato", o grupo passou por um processo de criação que incluiu desde fotos da família dos atores a quase dois meses de improvisação.
"Cada um trouxe fotografias marcantes de sua vida. Entramos nesse universo da família, dos almoços de domingo, onde se encontra a atmosfera tchecoviana", contou a atriz Mariana Lima.
Trazendo o autor russo para a vida real, Renato Borghi faz um paralelo entre a situação de Vânia/Serebriakov e a dele mesmo com o teatro brasileiro:
"Num determinado período, nos anos 60, eu acreditei no teatro, vanguarda de seu tempo. Na década de 80, foi a decepção, ele virou um verdadeiro supermercado."
Hoje, o ator -que entrou para a história da arte no Brasil em montagens do grupo Oficina- afirma ter descoberto o prazer pessoal: "Parte dos espetáculos, eu faço para mim, porque me realiza. Se eu for pensar nas dificuldades de produção neste país, não faço nada, como numa cena de Tchecov".
No palco
O espetáculo, que deve estrear em abril em São Paulo, possui cerca de 2h30. A peça começa com as cortinas fechadas, num espaço do palco que avança sobre a platéia e que representa um jardim.
Os atos seguintes vão ocupando o resto do tablado, com uma cenografia que, se no início parece realista, vai adquirindo posteriormente aspectos impressionistas.
No intervalo, o público ouvirá depoimentos de pessoas sobre o novo milênio. As músicas são, em grande parte, de Heitor Villa-Lobos. "Tio Vânia" termina ao som de Elis Regina.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.