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"Talvez eu esteja voltando às minhas raízes"
GREGORIO BELINCHÓN
do "El País'", em Madri
Alan Parker gosta de emoções
fortes. Depois de dirigir o musical
"Evita", o diretor britânico levou
ao cinema o livro "As Cinzas de
Angela" -15 milhões de cópias
vendidas e que valeu um Prêmio
Pulitzer a seu autor, Frank
McCourt, professor aposentado
que viveu sua infância e adolescência nas ruelas mais sórdidas da
cidade irlandesa de Limerick. Entrevistado em Madri, Parker atribuiu seu crescente interesse pelas
classes sociais menos favorecidas
a um retorno a suas raízes.
Falando pausadamente e esgotado com o trabalho de promoção
do filme, que o está levando a percorrer a Europa, Parker contou
que está satisfeito com seu trabalho mais recente: "Eu queria fazer
algo muito diferente do estilo um
pouco extravagante de "Evita".
Gosto de mudar de registro de um
projeto a outro".
Nascido numa família operária
londrina, o diretor admitiu, rindo, que ao longo de sua carreira
no cinema vem se interessando
pelas classes mais baixas: "Talvez
eu esteja voltando a minhas raízes. Na verdade, não é uma decisão consciente. Mas, quanto mais
envelheço, mais vontade sinto de
reivindicar algumas coisas".
Parker acha que seu filme saiu
aparentemente melancólico, diferentemente do livro, uma montanha russa emocional que em poucas linhas leva o leitor do choro às
gargalhadas. "Não acho que meu
filme seja triste, mas tentei fazer
jus ao livro, refletindo minhas impressões dele que, é claro, devem
ser diferentes das de outros leitores. Espero ter conseguido um
equilíbrio entre a reconstrução de
época e a ação."
A ação em questão descreve a
infância de Frank McCourt, que,
nas palavras do próprio escritor,
foi uma época muito dura. Ao
contrário do que aconteceu com
muitos de seus compatriotas, o
escritor, seus pais e seus três irmãos menores retornaram de
Nova York a Limerick, uma pequena cidade da Irlanda, após a
morte de sua irmã menor.
Além de um pai alcoólatra, uma
mãe doente, a pobreza e a morte
de muitos familiares e amigos,
McCourt sofreu a rejeição dos vizinhos e a dureza da educação católica irlandesa de sua época.
"Como acontece com todo
mundo, o livro me cativou quando o li, e logo pensei que ali havia
um filme a ser feito", conta Parker. "Mas os direitos para o cinema já tinham sido comprados por
Scott Rudin e David Brown, os
produtores do filme, e eu desisti.
Um ano mais tarde eles me chamaram para dirigir o filme."
As filmagens foram repletas de
dificuldades. "Dirigir filmes hoje
em dia é tão difícil quanto era
quando comecei, há 30 anos. E rodar filmes de época na Irlanda é
ainda mais complicado, o país
mudou muito com o dinheiro
vindo da União Européia. Aquelas vielas escuras de Limerick não
existem mais -tivemos que recriá-las no estúdio."
Quando o livro foi lançado, os
habitantes de Limerick criticaram
McCourt pela descrição impiedosa da cidade. Nas filmagens, Parker constatou que a roda da fortuna já dera uma volta e que a cidade se transformara em parque temático de "As Cinzas de Angela".
"Mesmo assim, muitos dos locais em que filmamos são os originais. Não tive problemas, porque Jackie Charlton, o treinador
da seleção irlandesa, e eu, por ser
o diretor de "The Commitments",
somos os únicos ingleses benquistos na Irlanda."
A possibilidade de ouvir críticas
de uma multidão de leitores angustiou Parker, até que ele decidiu
dar vida própria ao filme.
"McCourt foi muito simpático:
almoçou comigo duas vezes antes
das filmagens, foi até o set. Pedi a
ele que lesse o roteiro, e ele gostou. Mas se distanciou do filme
porque se sentia um intruso
-não apenas no processo todo,
mas em sua própria vida."
E o que McCourt achou do filme
depois de pronto? "Eu estava em
Los Angeles e ele assistiu ao filme
em Nova York, de modo que lhe
pedi que, quando saísse da sala de
projeção, me telefonasse e não
dissesse nada à imprensa, nada de
bom ou de ruim. Ele não me ligou. Fiquei muito nervoso, e
Frank só apareceu horas mais tarde. Tinha topado com um jornalista e lhe dado uma entrevista, na
qual fez elogios ao filme."
Tradução de Clara Allain
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