São Paulo, sexta-feira, 28 de abril de 2000


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"Talvez eu esteja voltando às minhas raízes"

GREGORIO BELINCHÓN
do "El País'", em Madri

Alan Parker gosta de emoções fortes. Depois de dirigir o musical "Evita", o diretor britânico levou ao cinema o livro "As Cinzas de Angela" -15 milhões de cópias vendidas e que valeu um Prêmio Pulitzer a seu autor, Frank McCourt, professor aposentado que viveu sua infância e adolescência nas ruelas mais sórdidas da cidade irlandesa de Limerick. Entrevistado em Madri, Parker atribuiu seu crescente interesse pelas classes sociais menos favorecidas a um retorno a suas raízes.
Falando pausadamente e esgotado com o trabalho de promoção do filme, que o está levando a percorrer a Europa, Parker contou que está satisfeito com seu trabalho mais recente: "Eu queria fazer algo muito diferente do estilo um pouco extravagante de "Evita". Gosto de mudar de registro de um projeto a outro".
Nascido numa família operária londrina, o diretor admitiu, rindo, que ao longo de sua carreira no cinema vem se interessando pelas classes mais baixas: "Talvez eu esteja voltando a minhas raízes. Na verdade, não é uma decisão consciente. Mas, quanto mais envelheço, mais vontade sinto de reivindicar algumas coisas".
Parker acha que seu filme saiu aparentemente melancólico, diferentemente do livro, uma montanha russa emocional que em poucas linhas leva o leitor do choro às gargalhadas. "Não acho que meu filme seja triste, mas tentei fazer jus ao livro, refletindo minhas impressões dele que, é claro, devem ser diferentes das de outros leitores. Espero ter conseguido um equilíbrio entre a reconstrução de época e a ação."
A ação em questão descreve a infância de Frank McCourt, que, nas palavras do próprio escritor, foi uma época muito dura. Ao contrário do que aconteceu com muitos de seus compatriotas, o escritor, seus pais e seus três irmãos menores retornaram de Nova York a Limerick, uma pequena cidade da Irlanda, após a morte de sua irmã menor.
Além de um pai alcoólatra, uma mãe doente, a pobreza e a morte de muitos familiares e amigos, McCourt sofreu a rejeição dos vizinhos e a dureza da educação católica irlandesa de sua época.
"Como acontece com todo mundo, o livro me cativou quando o li, e logo pensei que ali havia um filme a ser feito", conta Parker. "Mas os direitos para o cinema já tinham sido comprados por Scott Rudin e David Brown, os produtores do filme, e eu desisti. Um ano mais tarde eles me chamaram para dirigir o filme."
As filmagens foram repletas de dificuldades. "Dirigir filmes hoje em dia é tão difícil quanto era quando comecei, há 30 anos. E rodar filmes de época na Irlanda é ainda mais complicado, o país mudou muito com o dinheiro vindo da União Européia. Aquelas vielas escuras de Limerick não existem mais -tivemos que recriá-las no estúdio."
Quando o livro foi lançado, os habitantes de Limerick criticaram McCourt pela descrição impiedosa da cidade. Nas filmagens, Parker constatou que a roda da fortuna já dera uma volta e que a cidade se transformara em parque temático de "As Cinzas de Angela".
"Mesmo assim, muitos dos locais em que filmamos são os originais. Não tive problemas, porque Jackie Charlton, o treinador da seleção irlandesa, e eu, por ser o diretor de "The Commitments", somos os únicos ingleses benquistos na Irlanda."
A possibilidade de ouvir críticas de uma multidão de leitores angustiou Parker, até que ele decidiu dar vida própria ao filme.
"McCourt foi muito simpático: almoçou comigo duas vezes antes das filmagens, foi até o set. Pedi a ele que lesse o roteiro, e ele gostou. Mas se distanciou do filme porque se sentia um intruso -não apenas no processo todo, mas em sua própria vida."
E o que McCourt achou do filme depois de pronto? "Eu estava em Los Angeles e ele assistiu ao filme em Nova York, de modo que lhe pedi que, quando saísse da sala de projeção, me telefonasse e não dissesse nada à imprensa, nada de bom ou de ruim. Ele não me ligou. Fiquei muito nervoso, e Frank só apareceu horas mais tarde. Tinha topado com um jornalista e lhe dado uma entrevista, na qual fez elogios ao filme."


Tradução de Clara Allain

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