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São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 2003

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Um dos inspiradores do movimento, Rogério Duarte reúne escritos inéditos em livro

A tropicália reprimida

Welton Araujo/Folha Imagem - Divulgação


NOS FILMES Nos extremos esquerdo e direito, cartazes de Rogério Duarte (ao centro) para o cinema novo de Glauber Rocha em "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (64) e o cinema marginal psicodélico de André Luiz Oliveira em "Meteorango Kid, Herói Intergaláctico" (69)
NOS DISCOS No centro, acima, concepções gráficas de Rogério Duarte para as capas de dois dos álbuns fundadores da tropicália: à esquerda "Caetano Veloso" (68), com "Tropicália" e "Alegria, Alegria", e à direita "Gilberto Gil" (68), com "Domingo no Parque" e "Marginália 2"

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Eu sou o tropicalismo." A frase vaidosa não é de Caetano Veloso nem de Gilberto Gil, mas do artista gráfico, poeta, professor universitário e escritor também baiano Rogério Duarte, 64.
Nem é assim tão vaidosa. Se o tropicalismo for de fato Rogério Duarte, será também a curva que marca sua própria história pessoal. De ícone pop de sucesso como artista gráfico entre 63 e 68, passou a torturado como agitador comunista pelo regime militar, banido nas "matas baianas" pelo AI-5, esquizofrênico internado em hospícios nos 70, antiícone do ostracismo daí por diante.
Citado por Elio Gaspari no livro "A Ditadura Envergonhada" como co-protagonista de um dos episódios-símbolo que conduziriam ao terror pós-AI-5, Duarte publica agora pela primeira vez testemunho de punho próprio.
No livro "Tropicaos", reúne fragmentos e reconstituições de uma extensa obra literária inédita em que, tomado de medo da perseguição militar, ele ateou fogo no início dos anos 70.
Daquilo só restou o mais importante: um depoimento sobre a prisão e a tortura escrito no calor da hora, que só sobreviveu à fogueira porque havia sido antes confiado, sigilosamente, ao psicanalista Hélio Pellegrino.
Colocando-se num meio de caminho entre os tropicalistas mortos (Torquato Neto, Hélio Oiticica) e os "ricos" (Caetano e Gil), Rogério Duarte defende poeticamente a tese de que o verdadeiro tropicalismo nem chegou a acontecer, reprimido e assassinado que foi pelo AI-5. Leia a seguir trechos de sua entrevista à Folha, por telefone, de Salvador.
 

Folha - Você teve que ser convencido a transformar seus escritos num livro?
Rogério Duarte -
É, para dizer a verdade acho aquilo tudo um monte de baboseira. Não dou o menor valor àquilo. Tive uma obra literária à qual me dediquei profundamente até uma certa época. Quando fui preso e obrigado, por medo da repressão, a queimar tudo o que havia escrito, restaram apenas fragmentos. Aquilo é uma ruína (ri).

Folha - Por que você queimou?
Duarte -
Foi uma espécie de repressão introjetada, não um medo direto de que os militares descobrissem aquilo. Simplesmente fiz um círculo de pólvora e queimei tudo. Foi um ato de automutilação, talvez determinado pela introjeção da própria ditadura.
Também minha obra gráfica é de fragmentos. Ela foi destruída nessa época, dessa vez não por mim. Eu fazia todos os cartazes políticos da União Nacional dos Estudantes, agitação e propaganda para jornais operários. Deixei tudo isso na mão de um parente que nem quero mencionar. Achou que aquilo podia sujar a barra dele.
Com o AI-5 fui banido, vivi em completa clandestinidade na Bahia entre 68 e 70. Voltando ao Rio, passei por internações em hospícios e uma porção de coisas que o livro narra. Sou um cara destruído pela ditadura, mesmo, pelo menos em termos da minha obra.


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