São Paulo, quarta-feira, 28 de abril de 2004

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Atração pela repulsa

Duas exposições em Londres, com nova geração de artistas, causam repulsa e risos ao explorar temas mórbidos

JULIANO ZAPPIA
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE LONDRES

Um espelho negro coberto por milhares de moscas mortas. Um boneco mumificado emitindo grunhidos, com um pacote de cigarros na cintura. Bem-vindo ao mundo da Brit-Art, um território em que a polêmica, o choque e animais cortados em pedaços têm presença garantida e freqüentam as manchetes dos jornais.
Pelo menos é como tem sido desde o começo dos anos 90, quando uma geração de artistas britânicos começou a chamar a atenção pela capacidade de provocar polêmica com suas obras. A epítome foi a exibição "Sensation" (97), que reuniu obras como uma vaca serrada, por Damien Hirst, e uma Virgem Maria negra, com estrume de elefante em algumas partes, por Chris Ofili.
Duas exposições atualmente em Londres retratam a essência dessa geração apelidada de Young British Artists: "In-A-Gadda-Da-Vida", na Tate Modern, e "New Blood", na Saatchi Gallery.
"É ótimo que os dois eventos tenham sido programados para a mesma época", disse à Folha um porta-voz da Saatchi. "Um não existiria sem o outro. Foi a capacidade de observação de Charles Saatchi com a inventividade e força de artistas como Damien Hirst e Sarah Lucas que colocaram a arte britânica de volta ao mapa."
Sem o dinheiro de Charles Saatchi, que financiava e encomendava obras de artistas iniciantes, a Brit-Art não seria a mesma. Com uma grande galeria no coração turístico e cultural da cidade, ele está tirando proveito de sua enorme "coleção particular". "New Blood" é a nova exibição e traz, em cerca de cem obras, o que de mais novo é produzido nas artes e foi adquirido pelo mecenas inglês.
Apesar de complementares, as mostras são diferentes. "In-A-Gadda-Da-Vida" é a celebração da amizade e do amadurecimento de três forças criativas já estabelecidas internacionalmente em torno de um mesmo tema: o Jardim do Éden. "Trata-se de uma série de discussões, que duraram cerca de uma ano e meio, entre Damien Hirst, Sarah Lucas e Angus Fairhurst", diz a curadora da Tate Clarrie Wallis. "As peças funcionam bem juntas devido ao processo: enquanto um criava uma obra, os outros reagiam e começavam uma outra peça."
Durante o tempo em que a reportagem da Folha passou na galeria, o que se viu foi surpresa, indignação e ataques de riso. Foi assim com a estudante de moda Karen Claydon quando viu "The Pursuit of Oblivion", obra de Hirst inspirada no quadro "Painting", de Francis Bacon. "Não sei o porquê, mas os peixes nadando neste ambiente grotesco me fizeram rir", diz Claydon.
"Todos os três usam o humor", diz Clarrie. "É uma estratégia subversiva, desconcertante. Mas essa obra de Hirst é extraordinária. Ele criou um monumento surrealista em três dimensões."


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