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CINEMA/ESTRÉIA
"Tempo de Valentes" situa maridos em crise em trama policial com pano de fundo político na Argentina
Szifrón ironiza a "prisão" do casamento
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Na nova e exuberante safra de
cineastas argentinos, há os que
nasceram prontos, como Lucrecia
Martel ("O Pântano", "A Menina
Santa"), e os que burilam seu talento a cada filme. É este o caso de
Damián Szifrón, 30.
"Tempo de Valentes", segundo
longa do diretor, que estréia hoje
no Brasil, aprofunda o tema que
Szifrón abordou em seu primeiro
filme, "El Fondo del Mar" (2003),
e que continua a atraí-lo: "A rivalidade entre a aventura e o casamento. A dicotomia entre ser um
herói e ser um marido", segundo
define o cineasta.
Aventura, aqui, tomada não no
sentido do "affaire" extraconjugal, mas designando um modo de
vida livre de amarras e rotina.
Solteiros
"Quando penso nos grandes heróis da história do cinema, percebo que todos são solteiros", diz o
diretor, que assina também o roteiro de seus filmes.
Heróis às avessas, os protagonistas de "Tempo de Valentes"
são dois homens casados e em crise com suas respectivas.
O investigador de polícia Alfredo Díaz (Luis Luque) fica arrasado ao descobrir que é traído pela
mulher. Solidários, os colegas da
corporação põem em prática um
plano para ajudá-lo.
A idéia é manter Díaz ocupado
com o trabalho, desviando sua
atenção do problema. Mas não totalmente. Mariano Silverstein
(Diego Peretti), psicanalista em
dívida com a polícia (devido a um
atropelamento), é convocado para atender Díaz, in loco.
"Se há saída, não há tragédia",
diz o analista ao analisando, em
seu primeiro encontro, na delegacia/consultório. A fórmula deverá
ser aplicada ao longo de todo o filme e também pelo próprio Silverstein, quando ele descobre,
com a ajuda de Díaz, que sua mulher tem um amante.
A revelação joga o psicanalista
numa crise pessoal idêntica à de
seu paciente. Enquanto discutem
seus problemas mais íntimos, os
dois tentam desvendar um caso
aparentemente banal -o desaparecimento de dois amigos que saíram para pescar.
As investigações os conduzem a
uma trama de corrupção na polícia e nos altos escalões do serviço
de inteligência do governo, envolvendo tráfico de urânio.
Em suma, o filme escapole da
fórmula "de policiais bons enfrentando os vilões", como diz o
diretor, para colocar "os policiais
também no papel de vilões".
É quando explora o gênero propriamente policial que o longa toca uma realidade particularmente
argentina e latino-americana.
Szifrón usou em seu roteiro pitadas de um fato real ocorrido na
Província de Córdoba. "Explodiram uma fábrica militar, para esconder o desfalque de armas vendidas ilegalmente."
A história argentina registra
também a prisão do presidente
Carlos Menem (1989-1989), acusado de facilitar uma venda ilegal
de armas para Croácia e Equador,
depois de deixar o cargo.
São muitas as pessoas no país
vizinho que associam as "ligações
perigosas" do governo Menem
com o maior atentado terrorista
ocorrido no país -a explosão da
associação israelita Amia, que
matou 85 pessoas em 1994.
Em "Tempo de Valentes", um
chefão fictício da Side (Secretaria
de Inteligência do Estado, que
existe na realidade), diz ao policial
Díaz: "Já coloquei e tirei presidentes [da República]. Você não imagina como isso é fácil".
Conta na Suíça
Em entrevista à Folha, Szifrón
comenta: "Um presidente que vai
embora do país havendo resolvido problemas e criado bons programas sai com glória. Mas, por
alguma razão, nossos presidentes
[na América Latina] escolhem ir
embora com milhões de dólares
numa conta na Suíça".
Na vida privada, o cineasta diz
estar próximo de encontrar a solução para o dilema central retratado em seu filme. "Estou cada
vez mais me convertendo num
marido e deixando voar a imaginação no cinema."
A imaginação do diretor atraiu
também a atenção da TV argentina, desde seu primeiro filme. Hoje, ele prepara para um canal
aberto a série "Los Detectives
Montero", estrelada por Rodrigo
de la Serna, o amigo de Che em
"Diários de Motocicleta", e Rodrigo Noya, conhecido no Brasil como o protagonista de "Valentín".
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