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Artista mistura sagrado e profano
Filho de ex-pastor evangélico, Doitschinoff estudou em colégio católico; na juventude, virou punk e abandonou a espiritualidade
Principal trabalho
realizado em Lençóis, pinturas em capela unem as padroeiras da comunidade, Iansã e Santa Luzia
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Stephan Doitschinoff cresceu mergulhado em religião. O
pai era pastor evangélico, e a
mãe o deixava na igreja, ouvindo sermões, para poder ir trabalhar. A avó era espírita, e ele
estudou em colégio católico.
Tamanha espiritualidade sumiu ao virar jovem, membro de
banda punk. E voltou depois de
mais velho, quando a incorporou em seus estudos de artista.
"No meu trabalho, sempre
existiu uma pesquisa da relação
entre sagrado e profano, religião, morte e tempo", diz Doitschinoff no curta "Temporal",
que mostra sua experiência de
dois anos pintando a cidade de
Lençóis. "Na cidade, todos esses fatores já estavam ali, na
cultura popular marcada pela
região e bem supersticiosa."
Ironicamente, a principal
obra realizada na região foi em
uma capela, onde ele deixou de
lado suas críticas para pintar
com cores fortes as padroeiras
da comunidade, Santa Luzia e
Iansã, entidade do candomblé
equivalente, no catolicismo, a
Santa Bárbara. Por fora, fez
apenas um padrão geométrico
suave, em branco e azul.
"Eu não queria ter relação
com a igreja. Mas percebi que a
capela não era propriedade da
igreja, não tinha padre nenhum, era do povo mesmo",
lembra, em entrevista à Folha,
em seu estúdio em SP. "No altar, tinha um preto velho, um
boi, várias estatuetas de candomblé, umas coisas de índio."
O coveiro Silvano Araújo, 50,
que cuida da capela na frente
do cemitério, disse à reportagem que o local agora virou
atração. "Antes, a capela estava
muito feia, ficava fechada. Hoje, vive aberta. Há sempre moradores e pessoas de fora que
vêm tirar foto", falou.
A capela repaginada abriu
em Finados de 2007. Até uma
irmã do prefeito elogiou, diz
Doitschinoff. "Ela falou que ia
mandar alguém arrumar a porta da capela, que estava caindo
aos pedaços... Mas nunca veio."
Dias depois, a porta caiu, mas
foi consertada com remendos.
Do punk ao folclore
Doitschinoff, cujo sobrenome vem do avô búlgaro, já fez
exposições individuais em Londres, Nova York e São Paulo.
Nos anos 90, antes de trabalhar
com murais e telas, o artista fazia cenários de shows de bandas punk e capas de discos.
Da época em que colava pôsteres no muros de São Paulo,
ganhou o apelido de Calma, sua
assinatura. A palavra é a abreviação de "com alma" em latim
e dá título ao livro publicado
pela Gestalten (R$ 160, em média, em livrarias brasileiras).
Em 2006, ilustrou um álbum
do Sepultura, "Dante XXI", e ficou em segundo lugar no prêmio Jabuti de ilustração, pelo
livro "Palavra Cigana".
Foi nesse ano que ele decidiu
se isolar em um estúdio no
meio do mato em Lençóis, onde
sua irmã tem um restaurante.
"Queria me aprofundar na
arte popular, no folclore. Visitava casas para ver santuários,
oratórios", conta o artista, que,
apesar de não ter religião, diz
ser apaixonado por arte sacra.
No livro, há cinco contos sobre situações que ali viveu, como um mural que fez sobre as
profecias de Daniel, com igrejas
afundando e uma caveira -a
arte, no entanto, acabou apedrejada por crianças de uma
igreja a poucos metros dali.
"A inspiração para minhas
caveiras vem de uma corrente
filosófica que fala sobre contemplação da morte para celebrar a vida", explica. "É para
lembrar a fragilidade humana,
a brevidade da vida."
(FERNANDA EZABELLA)
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