São Paulo, terça-feira, 28 de abril de 2009

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Artista mistura sagrado e profano

Filho de ex-pastor evangélico, Doitschinoff estudou em colégio católico; na juventude, virou punk e abandonou a espiritualidade

Principal trabalho realizado em Lençóis, pinturas em capela unem as padroeiras da comunidade, Iansã e Santa Luzia


COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Stephan Doitschinoff cresceu mergulhado em religião. O pai era pastor evangélico, e a mãe o deixava na igreja, ouvindo sermões, para poder ir trabalhar. A avó era espírita, e ele estudou em colégio católico. Tamanha espiritualidade sumiu ao virar jovem, membro de banda punk. E voltou depois de mais velho, quando a incorporou em seus estudos de artista.
"No meu trabalho, sempre existiu uma pesquisa da relação entre sagrado e profano, religião, morte e tempo", diz Doitschinoff no curta "Temporal", que mostra sua experiência de dois anos pintando a cidade de Lençóis. "Na cidade, todos esses fatores já estavam ali, na cultura popular marcada pela região e bem supersticiosa."
Ironicamente, a principal obra realizada na região foi em uma capela, onde ele deixou de lado suas críticas para pintar com cores fortes as padroeiras da comunidade, Santa Luzia e Iansã, entidade do candomblé equivalente, no catolicismo, a Santa Bárbara. Por fora, fez apenas um padrão geométrico suave, em branco e azul.
"Eu não queria ter relação com a igreja. Mas percebi que a capela não era propriedade da igreja, não tinha padre nenhum, era do povo mesmo", lembra, em entrevista à Folha, em seu estúdio em SP. "No altar, tinha um preto velho, um boi, várias estatuetas de candomblé, umas coisas de índio."
O coveiro Silvano Araújo, 50, que cuida da capela na frente do cemitério, disse à reportagem que o local agora virou atração. "Antes, a capela estava muito feia, ficava fechada. Hoje, vive aberta. Há sempre moradores e pessoas de fora que vêm tirar foto", falou.
A capela repaginada abriu em Finados de 2007. Até uma irmã do prefeito elogiou, diz Doitschinoff. "Ela falou que ia mandar alguém arrumar a porta da capela, que estava caindo aos pedaços... Mas nunca veio." Dias depois, a porta caiu, mas foi consertada com remendos.

Do punk ao folclore
Doitschinoff, cujo sobrenome vem do avô búlgaro, já fez exposições individuais em Londres, Nova York e São Paulo. Nos anos 90, antes de trabalhar com murais e telas, o artista fazia cenários de shows de bandas punk e capas de discos.
Da época em que colava pôsteres no muros de São Paulo, ganhou o apelido de Calma, sua assinatura. A palavra é a abreviação de "com alma" em latim e dá título ao livro publicado pela Gestalten (R$ 160, em média, em livrarias brasileiras).
Em 2006, ilustrou um álbum do Sepultura, "Dante XXI", e ficou em segundo lugar no prêmio Jabuti de ilustração, pelo livro "Palavra Cigana".
Foi nesse ano que ele decidiu se isolar em um estúdio no meio do mato em Lençóis, onde sua irmã tem um restaurante.
"Queria me aprofundar na arte popular, no folclore. Visitava casas para ver santuários, oratórios", conta o artista, que, apesar de não ter religião, diz ser apaixonado por arte sacra.
No livro, há cinco contos sobre situações que ali viveu, como um mural que fez sobre as profecias de Daniel, com igrejas afundando e uma caveira -a arte, no entanto, acabou apedrejada por crianças de uma igreja a poucos metros dali.
"A inspiração para minhas caveiras vem de uma corrente filosófica que fala sobre contemplação da morte para celebrar a vida", explica. "É para lembrar a fragilidade humana, a brevidade da vida."
(FERNANDA EZABELLA)


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