São Paulo, sábado, 28 de maio de 2005

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ARTES PLÁSTICAS/CRÍTICA

Objetos de Farnese de Andrade revelam universalidade

FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA

Farnese de Andrade (1926-1996) foi iconista. A retrospectiva de seus objetos no Centro Cultural Banco do Brasil traz à cidade 130 peças que iluminam o obscuro universo criativo do artista mineiro. Bonecas, oratórios e insetos gigantes combinam-se em cápsulas do tempo, alternando lirismo e abjeção.
Nascido em Araguari, ele se iniciou na arte como aluno de Guignard, em Belo Horizonte, entre 1944 e 1948. Do mestre, preservou a mistura entre surrealismo e imaginário mineiro, levada para o Rio de Janeiro, onde residiu a partir de 1949. No começo da produção, trabalhou majoritariamente sobre papel, principiando a pesquisa com objetos em 1964.
Os temas arquetípicos são recorrentes: morte, nascimento, mãe, pai, eu. Para figurá-los, o artista desenvolveu um método de buscar pela cidade maravilhosa coisas pré-existentes, cujo arranjo como acumulação revelaria sentidos ancestrais.
Ele andava pelos bricabraques do centro do Rio, nos quais adquiria quinquilharias de toda sorte, e pelas praias cariocas, onde recolhia restos de madeira e outros destroços devolvidos pelas ondas. Os elementos colecionados pelo artista descansavam no ateliê, até encontrarem destino, fosse como habitantes de caixas e armários ou como fósseis em moldes de resina transparente.
Seu olhar compositivo descobria repetidamente imagens da origem ao juntar tantas partes. As "Anunciações" ganham, por vezes, contornos delicados, como na assemblagem de uma cabeça feminina careca com um boneco plástico inserido em medalhão de resina, defronte ao anjo de madeira (1982).
Outras se fecham em hermetismo, como na justaposição de uma esfera de vidro na barriga de uma delicada boneca de madeira, da foto de uma criança e de dois pés deitados (1983-95).
Na série "Viemos do Mar", corais simulam órgãos de bonecos aos pedaços, imersos em invólucros translúcidos.
A crueldade é exercitada sobre os membros apropriados. Em "O Alimento" (1985), dois bonecos plásticos de bebês engatinhando foram queimados, e os corpos retorcidos compartilham a refeição de um ovo com monstruoso besouro do mesmo tamanho que ambos, todos os três apoiados sobre uma carapaça emborcada de tartaruga.
Por outro lado, as peças menos narrativas parecem exercício inacabado. A "Cimitarra" (1978) é coluna de madeira encimada com ponta curva, aparentando conservadora escultura sobre pedestal. Todavia, mesmo nesses casos, é possível enxergar sentidos ocultos, como na mesa com pés torneados sobre a qual se apóiam outros três pés torneados invertidos: acima como abaixo.
A presença desses objetos está no enigma. Embora sua construção seja idiossincrática, transparecem universalidade. O mergulho no inconsciente é o único critério de qualidade da obra surreal: Farnese de Andrade se jogou de peito aberto.


Farnese: Objetos
    
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (r. Álvares Penteado, 112, Sé, tel. 3113-3651)
Quando: ter. a dom., das 10h às 21h. Até 19/6
Quanto: entrada franca


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