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EXPOSIÇÃO
Após quatro anos e um colapso nervoso, artista plástica britânica retorna à galeria White Cube, em Londres
Tracey Emin explora novos confrontos com público
KAREN WRIGHT
DO "INDEPENDENT"
Tracey Emin não está de bom
humor quando chego ao seu estúdio em East London. Usa roupas
simples, e seu rosto é como o clima: ensolarado, mas ameaçando
tempestade. Ao longo dos anos,
fui testemunha de sua ternura e
de seus maus modos. Pede desculpas pelo atraso, e quando digo
"tudo bem", ela retruca: "Você
não sabe nada sobre o meu dia".
Seus novos trabalhos entraram
em exposição ontem, em Londres, na galeria White Cube: é sua
primeira mostra na galeria em
quatro anos, e ela diz que a concepção não foi fácil. "Tive um colapso nervoso. Esqueci que tinha
um gato, e até meu endereço. Decidi adiar a mostra para arejar a
cabeça e produzir novos trabalhos, algo mais em sintonia com
aquilo que eu estava pensando."
Ela decidiu exibir, entre outras
coisas, cobertores brancos pintados em branco, diferentes de suas
conhecidas peças multicoloridas.
Seu desejo é não dar ao público o
que este espera.
Tracey teria supostamente afirmado que gosta de colocar a mão
na massa, em seu trabalho. Perguntada sobre as mulheres que
trabalham para ela na produção
de seus cobertores, ela se irrita.
"Você faz idéia de quanto tempo
demora fazer um cobertor como
esse sozinha? Oito meses, trabalhando cinco dias por semana, oito horas por dia. Adoro costurar,
e me irrita eu não ter tempo."
As palavras sempre desempenharam papel importante no trabalho de Emin, mas ela recentemente começou a empregá-las fora do contexto de sua arte. Está
animada com sua nova coluna semanal para o jornal britânico "Independent"; também escreveu
um livro, "Strangeland".
Nos anos 90, Tracey saiu em
turnê pelos EUA com uma cadeira doada pela avó -inspiradora
de seus primeiros trabalhos-, fazendo palestras baseadas no seu
livro "Exploration of the Soul".
"Foi assim que, com meu namorado na época, saímos como Bonnie e Clyde, vendendo cópias do
livro para pagar a viagem. Era como se minha avó tivesse me dado
a melhor viagem de férias de todos os tempos." A cadeira se tornou como que um tapete mágico
(hoje na Tate Britain).
Mais tarde, as duas malas que
ela levou na viagem apareceram
em sua obra como símbolos de
sua vida nômade. Uma delas terminou integrada a um de seus trabalhos mais provocantes, a escultura "My Bed", que causou controvérsia quando exposta na mostra do prêmio Turner de 1999.
"Acordei após quatro dias de total abuso e desespero. Levantei-me para beber água e, quando
olhei para o quarto, pensei: "Argh,
como está horrível!". Fechei os
olhos, e imaginei que poderia ter
morrido. Aquele quarto me salvou. Havia algo de encantador nele, como uma mocinha pedindo
socorro". "My Bed" visitou galerias no Japão e em Nova York, e as
reações variavam. Emin uma vez
viu uma menininha em NY dizendo: "Eca, ela é imunda!". Por outro lado, "os japoneses conseguiam entender a merda, o sangue, o esperma -tudo menos os
chinelos sujos". Ela ri com a lembrança de ter exibido seus absorventes e que as pessoas acreditavam que se tratava de esculturas, e
não do produto em si.
"É engraçado descobrir o que é
aceitável ou não, o que é arte ou
não. O que as pessoas não aceitavam é que a cama represente uma
escultura formal, da mesma forma que um Rodin ou um Henry
Moore. Se tivesse feito aquela cama de bronze ou gesso, as pessoas
a teriam aceitado".
Emin chegou, aos 20 anos, a enfrentar dificuldades pela crueza
de seu trabalho. Como aluna de
graduação na Maidstone School
of Art, suas peças foram retiradas
de exposição não pelos instrutores, mas a pedido de um grupo feminino local. "Elas achavam que
eu fosse antifeminista porque expus desenhos meus com as pernas muito abertas, derramando
xícaras de chá e coisas assim."
Tracey considera esse o primeiro equívoco freqüente na leitura
de seu trabalho. "As pessoas
acham que meu trabalho tem o
sexo por tema, mas boa parte é sobre a fé. Não estou falando de religião; é algo maior. Acredito que
ter fé é importante e que boa parte
do mundo já não a tenha."
Emin assume posição filosófica
sobre a maneira pela qual as coisas acontecem em sua vida. "Às
vezes, eu me odeio ou lamento
coisas que disse, ou a maneira pela qual me comportei", diz. "Mas
preciso viver com isso. Dizem, na
Turquia, que se você aprende a
amar uma rosa, aprende a amar
os espinhos e, por mais brega que
isso soe, é como eu me sinto."
As raízes turcas de Emin vêm do
pai, um cipriota turco que tinha
duas famílias, uma delas em Margate, onde Emin nasceu, em 1963.
A mãe dirigia um hotel, onde ela
cresceu com seu irmão gêmeo. Os
dois eram profundamente ligados
e criaram uma linguagem própria. "Embora minha experiência
de crescimento não tenha sido
maravilhosa, Margate tornou tudo melhor. Cresci com alguns dos
melhores pores-do-sol do Reino
Unido, o que é bem diferente de
crescer em um ambiente urbano
hostil do tipo de que gosto hoje."
Minha última pergunta: o que
ela espera para o futuro? "Quero
me apaixonar", diz. "É preciso
que o futuro inclua paixão. Não se
pode passar a vida toda sem estar
apaixonada, pode?"
Tradução Paulo Migliacci
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