São Paulo, sábado, 28 de maio de 2005

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EXPOSIÇÃO

Após quatro anos e um colapso nervoso, artista plástica britânica retorna à galeria White Cube, em Londres

Tracey Emin explora novos confrontos com público

KAREN WRIGHT
DO "INDEPENDENT"

Tracey Emin não está de bom humor quando chego ao seu estúdio em East London. Usa roupas simples, e seu rosto é como o clima: ensolarado, mas ameaçando tempestade. Ao longo dos anos, fui testemunha de sua ternura e de seus maus modos. Pede desculpas pelo atraso, e quando digo "tudo bem", ela retruca: "Você não sabe nada sobre o meu dia".
Seus novos trabalhos entraram em exposição ontem, em Londres, na galeria White Cube: é sua primeira mostra na galeria em quatro anos, e ela diz que a concepção não foi fácil. "Tive um colapso nervoso. Esqueci que tinha um gato, e até meu endereço. Decidi adiar a mostra para arejar a cabeça e produzir novos trabalhos, algo mais em sintonia com aquilo que eu estava pensando."
Ela decidiu exibir, entre outras coisas, cobertores brancos pintados em branco, diferentes de suas conhecidas peças multicoloridas. Seu desejo é não dar ao público o que este espera.
Tracey teria supostamente afirmado que gosta de colocar a mão na massa, em seu trabalho. Perguntada sobre as mulheres que trabalham para ela na produção de seus cobertores, ela se irrita. "Você faz idéia de quanto tempo demora fazer um cobertor como esse sozinha? Oito meses, trabalhando cinco dias por semana, oito horas por dia. Adoro costurar, e me irrita eu não ter tempo."
As palavras sempre desempenharam papel importante no trabalho de Emin, mas ela recentemente começou a empregá-las fora do contexto de sua arte. Está animada com sua nova coluna semanal para o jornal britânico "Independent"; também escreveu um livro, "Strangeland".
Nos anos 90, Tracey saiu em turnê pelos EUA com uma cadeira doada pela avó -inspiradora de seus primeiros trabalhos-, fazendo palestras baseadas no seu livro "Exploration of the Soul". "Foi assim que, com meu namorado na época, saímos como Bonnie e Clyde, vendendo cópias do livro para pagar a viagem. Era como se minha avó tivesse me dado a melhor viagem de férias de todos os tempos." A cadeira se tornou como que um tapete mágico (hoje na Tate Britain).
Mais tarde, as duas malas que ela levou na viagem apareceram em sua obra como símbolos de sua vida nômade. Uma delas terminou integrada a um de seus trabalhos mais provocantes, a escultura "My Bed", que causou controvérsia quando exposta na mostra do prêmio Turner de 1999.
"Acordei após quatro dias de total abuso e desespero. Levantei-me para beber água e, quando olhei para o quarto, pensei: "Argh, como está horrível!". Fechei os olhos, e imaginei que poderia ter morrido. Aquele quarto me salvou. Havia algo de encantador nele, como uma mocinha pedindo socorro". "My Bed" visitou galerias no Japão e em Nova York, e as reações variavam. Emin uma vez viu uma menininha em NY dizendo: "Eca, ela é imunda!". Por outro lado, "os japoneses conseguiam entender a merda, o sangue, o esperma -tudo menos os chinelos sujos". Ela ri com a lembrança de ter exibido seus absorventes e que as pessoas acreditavam que se tratava de esculturas, e não do produto em si.
"É engraçado descobrir o que é aceitável ou não, o que é arte ou não. O que as pessoas não aceitavam é que a cama represente uma escultura formal, da mesma forma que um Rodin ou um Henry Moore. Se tivesse feito aquela cama de bronze ou gesso, as pessoas a teriam aceitado".
Emin chegou, aos 20 anos, a enfrentar dificuldades pela crueza de seu trabalho. Como aluna de graduação na Maidstone School of Art, suas peças foram retiradas de exposição não pelos instrutores, mas a pedido de um grupo feminino local. "Elas achavam que eu fosse antifeminista porque expus desenhos meus com as pernas muito abertas, derramando xícaras de chá e coisas assim."
Tracey considera esse o primeiro equívoco freqüente na leitura de seu trabalho. "As pessoas acham que meu trabalho tem o sexo por tema, mas boa parte é sobre a fé. Não estou falando de religião; é algo maior. Acredito que ter fé é importante e que boa parte do mundo já não a tenha."
Emin assume posição filosófica sobre a maneira pela qual as coisas acontecem em sua vida. "Às vezes, eu me odeio ou lamento coisas que disse, ou a maneira pela qual me comportei", diz. "Mas preciso viver com isso. Dizem, na Turquia, que se você aprende a amar uma rosa, aprende a amar os espinhos e, por mais brega que isso soe, é como eu me sinto."
As raízes turcas de Emin vêm do pai, um cipriota turco que tinha duas famílias, uma delas em Margate, onde Emin nasceu, em 1963. A mãe dirigia um hotel, onde ela cresceu com seu irmão gêmeo. Os dois eram profundamente ligados e criaram uma linguagem própria. "Embora minha experiência de crescimento não tenha sido maravilhosa, Margate tornou tudo melhor. Cresci com alguns dos melhores pores-do-sol do Reino Unido, o que é bem diferente de crescer em um ambiente urbano hostil do tipo de que gosto hoje."
Minha última pergunta: o que ela espera para o futuro? "Quero me apaixonar", diz. "É preciso que o futuro inclua paixão. Não se pode passar a vida toda sem estar apaixonada, pode?"


Tradução Paulo Migliacci

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