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Quadrinhos capturam violência da vida urbana
Autores utilizam referências cinematográficas e a cultura underground para construir os roteiros das três álbuns recém-lançados
"Chapa Quente", "O Messias" e "Subs" retratam as misérias do cotidiano brasileiro
MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DA REPORTAGEM LOCAL
Como bem sabe qualquer habitante de grandes metrópoles
brasileiras, quando bandidos
como os do PCC decidem mostrar força, há pouco espaço para super-heróis e roteiros do tipo "o bem sempre vence o mal",
típicos dos quadrinhos.
Mas as HQs não são sempre
descoladas da realidade, como
é de conhecimento de qualquer
leitor do gênero. Existe uma
vasta gama de quadrinhos de
temática urbana, conectados à
paranóia do mundo real e ao
cotidiano de seus habitantes.
Três representantes dessa
vertente realista estão sendo
lançados agora. "Chapa Quente", de André Kitagawa, "O
Messias", de Gonçalo Junior e
Flávio Luiz, e "Subs", de Ulisses
Tavares e Julio Shimamoto,
não têm mutantes superpoderosos nem vilões que querem
dominar o mundo -têm apenas o cara que brigou com a namorada, um casal que sofre um
seqüestro-relâmpago, favelados, empresários, enfim, a fauna urbana regular.
"O Messias" (Opera Graphica
Editora, 128 págs., R$ 29) é o
mais atual dos três lançamentos, e o que tem a conexão mais
clara com eventos recentes como o ataque do PCC a São Paulo e a fraqueza do poder público
sobre a criminalidade. Ele retrata o medo clássico das elites
e de todos os "incluídos": o dia
em que o morro desce e toma a
cidade de assalto.
"Eu sempre imaginei que podia acontecer algo como estes
ataques recentes, um poder
central comandando uma investida contra a cidade", explica o baiano Gonçalo Junior, 39,
autor do roteiro ilustrado por
seu conterrâneo Flávio Luiz.
A história fala de uma facção
criminosa de uma favela carioca, comandada por um criminoso ascendente que se julga o
tal "messias" do título. A polêmica alegoria religiosa que
marca a obra não é ocasional.
"A idéia surgiu em 1997,
quando era muito evidente a
evangelização das favelas, a
crescente presença de igrejas e
pastores -foi quando começaram também as denúncias de
associação de alguns deles com
o tráfico", diz o autor.
Cinema em HQ
Para construir seu roteiro,
Gonçalo Junior escolheu um
ritmo cinematográfico, o que
torna "O Messias" -todo em
preto-e-branco, sem texto-
"um filme mudo em quadrinhos", como diz o escritor.
"Tinha acabado de assistir ao
"Encouraçado Potemkin", do
diretor russo Sergei Eisenstein,
e a força das imagens, do estilo
narrativo ficou na minha cabeça", explica Gonçalo Junior.
O paulistano André Kitagawa, 33, é outro que se vale da
narrativa de cinema, ainda que
seu texto esteja mais para o
submundo sujo do italiano
Abel Ferrara do que para o expressionismo de Eisenstein.
As sete histórias de "Chapa
Quente" (Atrito Art Editorial,
56 págs., R$ 20) precisaram ser
descobertas no palco -viraram
peça dirigida em parceria com
Mario Bortolotto- para só então ganharem a coletânea.
"O álbum é uma mistura de
histórias pessoais, casos que eu
ouvi e inspiração tirada de livros, filmes, manchetes de jornal", afirma Kitagawa.
As histórias de "Chapa Quente" falam de gente como o trio
de amigos que baixa na favela
atrás de uma boca de fumo, o
casal que pega o caminho errado e acaba indo parar na periferia, o jovem sem perspectiva
que vai tomar pinga e acaba
confundido com outra pessoa.
Apesar da obra de Kitagawa
transbordar "toda aquela melancolia que parece vir de um
mar de antenas de TV num domingo à tarde modorrento na
periferia de São Paulo", como
destaca Bortolotto na introdução, há momentos bem humorados, como nas histórias "O Pacote" e "Super T".
Humor
O humor em diversas formas
-ironia, humor negro etc.-
também marca presença em
"Subs" (Via Lettera Editora, 72
págs., R$ 34), dos veteranos
Ulisses Tavares e Julio Shimamoto -o primeiro, poeta, professor, dramaturgo e espírito
inquieto; o segundo, uma lenda
das HQs, colecionador de prêmios e ilustrador de longa data.
Curiosamente, o cinema
também está na gênese de
"Subs". "As história são roteiros para curtas que eu escrevi
na década de 90 e que acabaram não virando filme", explica
Tavares, que escolheu Shimamoto para retratar a temática
de poder, dinheiro, sexo e violência que permeia os textos.
"Sempre estive muito próximos dos quadrinistas, fiz livros
com o Spacca, com o Angeli,
com o Ota; gosto da linguagem
dos quadrinhos", afirma.
Na HQ, o poeta se permitiu
mais liberdades em relação ao
cotidiano, em comparação com
"Chapa Quente" e "O Messias".
"O excesso de realidade violenta em que vivemos assusta e
paralisa as pessoas. Os quadrinhos não são apenas espelho,
eles reinterpretam a realidade,
acrescentam imaginação", diz.
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