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DVDs
Crítica/"Flauta Mágica"
Edição comemorativa reaviva encontro de Bergman e Mozart
CASSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Antes, durante e depois
de ter se tornado um
dos mestres do cinema,
o diretor sueco Ingmar Bergman foi também um grande homem de teatro. Sua paixão pelos artifícios da expressão teatral aponta aqui e ali nas ficções
filmadas e alcança o ápice nessa
adaptação feita para a TV sueca, em 1975, da ópera "A Flauta
Mágica", de Mozart (1756-1791), que sai em DVD comemorativo dos 250 anos do compositor austríaco.
Em suas recordações, Bergman comenta que seu primeiro
contato com uma montagem
de "A Flauta Mágica" ocorreu
quando tinha 12 anos e dela não
guardou boas lembranças. "Foi
uma representação pesada,
longa. O pano subia para se
mostrar uma cena breve, voltava a baixar, e atrás do pano havia grande azáfama: martelavam, construíam", registra em
seu livro "Imagens".
Mais uma vez, por meio do cinema e dessas imagens que
nunca se sabe se pertencem ao
mundo ou aos sonhos, Bergman vai exorcizar fantasmas de
infância. E o resultado é um filme-ópera que em nenhum momento sofre do cansaço provocado pelos filmes-óperas.
O gênero é tão velho quanto o
próprio cinema. Nele se aventuraram desde grandes diretores, como Michael Powell e Emeric Pressburger ("Contos
de Hoffmann"), Otto Preminger ("Carmen Jones"), Joseph
Losey ("Don Giovanni"), Hans
Jurgen Syberberg ("Parsifal") e
Francesco Rosi ("Carmen"),
até menores, como Franco Zefirelli ("La Traviatta") e Benoît
Jacquot ("Tosca"). Mas de sua
origem teatral, a ópera, quando
transposta para o cinema, nunca conseguiu se livrar. A maioria dos diretores pensou fazer
cinema apenas libertando os
intérpretes e o canto do espaço
cênico confinado e os levando a
cenários cinematográficos.
Num golpe de gênio, Bergman faz o contrário. Encena
quase todo o filme num palco e
reduz o desconforto da teatralidade abolindo a distância que,
no teatro, isola o espectador do
drama. E faz isso recorrendo a
um elemento que só o cinema
possui: o primeiro plano. Assim, realiza um filme híbrido
que em nenhum momento renega sua origem teatral e, ao
mesmo tempo, ganha a clarividência das emoções que só o
primeiro plano de cinema é capaz de proporcionar.
Até mesmo o tradicional intervalo entre atos é recriado
sem provocar estranheza. Em
vez de o público sair para uma
taça de vinho, pode observar os
bastidores, onde uma intérprete fuma, outro ajeita o figurino.
Ao voltar para o segundo ato, o
ponto-de-vista é do fundo do
palco, mais um lugar onde nenhum espectador se encontra.
Como artista que respeita a
grande obra alheia, Bergman
guarda de Mozart o que a ópera
tem de maior -a música- e
metamorfoseia o resto em visões que expressam os mais
freqüentes temas de seu universo pessoal: a necessidade do
amor, o desespero da solidão, o
sentimento ambíguo em relação aos pais e o medo da morte.
Ou seja, muito mais que um
filme-ópera, "A Flauta Mágica"
é um filme ao mesmo tempo
bergmaniano e mozarteano.
Não é possível pedir mais.
A FLAUTA MÁGICA
Direção: Ingmar Bergman
Distribuição: Versátil; R$ 40, em
média
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