São Paulo, segunda-feira, 28 de maio de 2007

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GUILHERME WISNIK

A nuvem financeira e o skyline


Empresas alugam edifícios comerciais e criam um ciclo predatório em que o lucro vive do antiplanejamento

"A RENTABILIDADE do mercado financeiro com a segurança do mercado imobiliário" era a promessa miraculosa anunciada com a globalização dos anos 90, acompanhando a transformação de edifícios em títulos financeiros. Como é que, a partir de então, o capital se urbanizou em São Paulo? Os fundamentos desse processo são brilhantemente analisados por Mariana Fix em "São Paulo Cidade Global" (Boitempo, 192 págs., R$ 38), livro que será lançado quarta-feira no restaurante Soteropolitano (r. Fidalga, 340, às 19h).
No início da década passada, com a estabilização monetária, a desindustrialização, a entrada maciça de capital estrangeiro e a grande transferência patrimonial (privatizações), até a produção de imóveis passou a ser regida por mobilidade e liquidez. Na prática, as grandes empresas deixaram de se estabelecer em sedes próprias, pensadas historicamente como patrimônios sólidos, e passaram a alugar andares de edifícios comerciais, podendo se deslocar com mais facilidade no território. Já os novos proprietários, nesse esquema, deixaram de ser os empreendedores tradicionais, tornando-se, doravante, investidores anônimos, como os fundos de pensão.
Assim, enquanto as empresas se beneficiam com a maior flexibilidade (podem aumentar ou diminuir seus quadros bruscamente, ou simplesmente abandonar o local, a cidade e o país), os investidores lucram à medida que um mercado se constitui como "novo vetor" de valorização imobiliária, em áreas com terrenos inicialmente baratos (vizinhos de favelas, com modesta infra-estrutura) que se tornam focos de grandes obras do governo. Tal é o caso paradigmático do eixo Faria Lima-Berrini-Marginal Pinheiros, para o qual foram canalizados cerca de 85% dos investimentos públicos da cidade na década passada.
Esses novos edifícios corporativos de alto padrão são, portanto, como mostra Fix, "bases hospedeiras" para o capital transnacional em errante migração, realizando-se muitas vezes como enclaves globais em meio a metrópoles periféricas. Seu estudo se completa apontando a fratura desse processo local de globalização, uma vez que em São Paulo a aliança entre mercado imobiliário e de capitais se mostrou imperfeita, truncada, dada a inexistência de um sistema de crédito efetivo no Brasil, como é o de hipotecas nos EUA.
Assim, com as crises econômicas mundiais da segunda metade da década, mais a diminuição do ciclo de privatizações, o mercado imobiliário corporativo de São Paulo viveu uma crise de superoferta, assistindo a uma enorme queda nos preços e aumento na taxa de vacância dos imóveis, afugentando os investidores. É quando incorporadoras emblemáticas como a Birmann acabam quebrando.
O resultado é uma paisagem fantasma que arrebenta a infra-estrutura da cidade, num ciclo predatório em que o lucro vive do antiplanejamento. Ironicamente, esse processo de enorme concentração de renda e segregação espacial é financiado pelo Estado e por fundos em cuja origem está a histórica contribuição dos trabalhadores.


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