São Paulo, segunda-feira, 28 de maio de 2007

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Marcatti retoma críticas do século 19

Na HQ "Relíquia", desenhista recria trama clássica escrita em 1887 pelo português Eça de Queiroz

PEDRO CIRNE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

As pessoas não são boas. Salvo exceções, não há amizades ou carinho, apenas interesses. E os ricos e poderosos, que poderiam ajudar, fazem questão de ignorar por motivos ridículos, mesmo que isso signifique sofrimento e morte.
Pessimismo? Assim é o romance "A Relíquia", escrito pelo português Eça de Queiroz em 1887, na versão em quadrinhos lançada pelo desenhista paulistano Marcatti. "A Relíquia" se passa no século 19, em Portugal.
O menino Teodorico Raposo torna-se órfão e vai viver com a tia, dona Patrocínio. Ela é riquíssima, católica e de mal com a vida. Amarga e ranzinza, faz questão de mostrar que está sempre descontente.
Teodorico Raposo cresce em um ambiente repleto de religião e desprovido de sexualidade. Sua tia o ameaça constantemente: se perceber que ele teve ações ou pensamentos impuros, expulsa-o de casa. E há uma ameaça implícita aí, pois isso significa ser riscado de seu testamento.
Em uma casa onde, aparentemente, tudo gira em torno de religião, é esse documento de dona Patrocínio o verdadeiro centro das ações. A rica senhora recebe, diariamente, padres e tabeliães, "homens de fé", para falar bem dos católicos e mal dos pecadores. Como ela está em idade avançada, há uma disputa não declarada entre seus visitantes bajuladores pelo direito de herdar sua fortuna.
Teodorico torna-se um adulto amargurado com a hipocrisia dos que cercam sua insuportável tia apenas por interesse. Ele mesmo, entretanto, não consegue agir diferente.
Como ela o sustenta, não precisa trabalhar, mesmo depois de formado. Tem que namorar escondido, fingir ser católico e demonstrar constantemente amor (que não tem) pela tia, mas este é o preço para estar entre os candidatos ao dinheiro que ela deixará.

Semelhanças
Assim como Eça de Queiroz, o quadrinista Marcatti é um crítico da sociedade, mas à sua maneira. Seus quadrinhos mostram, normalmente, o lado podre e escatológico das pessoas, caso de "Creme de Milho com Bacon" (de 1991) e "Restolhada" (2000). Seus desenhos são caricatos e engraçados. Parece, em suas histórias, decepcionado com o mundo, mas usa este sentimento para criar um humor "undergound", do tipo rir para não chorar.
A soma da crítica de Eça de Queiroz com o traço caricato e ácido de Marcatti torna esta adaptação de "A Relíquia" revoltante (pela hipocrisia dos personagens), atraente e atual.


A RELÍQUIA
Autores:
Eça de Queiroz (texto original) e Marcatti (adaptação)
Editora: Conrad
Quanto: R$ 32 (224 páginas)


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