São Paulo, Sexta-feira, 28 de Maio de 1999
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LIVRO - LANÇAMENTO
"Grande Capital" chega atrasado e com problemas

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

Problemas de tradução, a respeito dos quais editora e tradutor se desentendem, prejudicam o atrasadíssimo lançamento no Brasil de um dos romances mais influentes do século, "O Grande Capital" (1937), último volume da trilogia "USA", de John Dos Passos.
A editora Rocco, que pusera no mercado os dois primeiros livros no final da década de 80 ("Paralelo 42"/1987, e "1919"/1989), levou dez anos para completar a obra.
Ao menos, tratou de recolocar nas livrarias os romances iniciais junto com o fecho do ciclo.
Mas, estranhamente, apareceram na edição de "O Grande Capital" algumas impropriedades (como a manutenção sem critério aparente de alguns trechos em inglês) pelas quais o tradutor Marcos Santarrita se eximiu de responsabilidade, ao falar à Folha.
Santarrita afirmou não ter tido controle sobre a edição do material que traduzira 13 anos atrás.
Disse não ter visto as provas e não ser o autor da introdução. Santarrita declarou ter localizado os originais de sua tradução e que neles todos os trechos agora editados em inglês haviam sido traduzidos.
Eliane Lobato, gerente de comunicação da Rocco, por seu lado, declarou à Folha que "textos de Marcos Santarrita nunca são mexidos" e nega ter havido alteração.
Esse inconveniente não tira a importância histórica de finalizar a edição no Brasil da trilogia.
Dos Passos (1896-1970) fazia parte do grupo de escritores formado em Harvard pouco antes da Primeira Guerra Mundial (integrado, entre outros, por Ernest Hemingway e E. E. Cummings).
Embora tenha produzido outros trabalhos, inclusive a trilogia "District of Columbia" (1952), esse norte-americano descendente de portugueses ganhou celebridade por causa de "USA". Jean-Paul Sartre chegou a chamá-lo de "o maior escritor de nossos tempos".
Dois motivos justificam esse entusiasmo por "USA": engajamento político e inovações formais.
Dos Passos denunciou com vigor as injustiças do capitalismo nos EUA nos anos 30, período de grande polarização ideológica.
A esquerda européia, da qual Sartre era um dos expoentes, vibrava ao vislumbrar aliados na outra margem do Atlântico. Daí, em parte, seus elogios exagerados.
Em "USA", Dos Passos introduziu técnicas de narrativa nunca antes experimentadas e inspiradas por novidades tecnológicas e científicas daquele momento histórico.
A trama da história é interrompida por edições do "jornal da tela" (notícias de fatos da época da narrativa -1900 a 1935- na forma de um cinejornal), pela descrição cinematográfica de eventos (sob o título de "o olho da câmera"), pela biografia de personagens reais ou fictícios, pelo uso da técnica freudiana de associação livre.
Esses efeitos produziram vívida impressão sobre o público da época, fascinado com os espantosos avanços que o início do século lhe oferecia (cinema, psicanálise, aviação, dadaísmo, telefonia).
Em 1999, esses "gimmicks" já não impressionam tanto e a desideologização universal tira muito do encanto romântico que a denúncia do capitalismo de Dos Passos inspirou aos contemporâneos.
Mesmo quando comparado estilisticamente a seus "concorrentes" da época, os maneirismos de Dos Passos não impressionam tanto.
O britânico Aldous Huxley (1894-1963), por exemplo, introduziu em "Contraponto" (1928) e "Sem Olhos em Gaza" (1936) características de estilo muito mais marcantes e influentes.
Em "Contraponto", Huxley cruzava, num mesmo capítulo, os destinos de personagens diversos, em ambientes e em cenários diferentes. Em "Gaza", acrescentou contrapontos temporais aos espaciais.
O fato de as novidades de Dos Passos terem se esgotado em si não diminuem a importância ou a qualidade de seu trabalho. Mas a relativização que a distância de 60 anos oferece permite colocá-lo em sua devida dimensão literária.


Avaliação:


Livro: O Grande Capital Autor: John Dos Passos Lançamento: Rocco Quanto: R$ 48 (544 págs.)

O colunista José Simão está em férias

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