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ERUDITO/CRÍTICA
Quem não tem medo de Tchaikovski?
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Tudo estava diferente, na noite de sexta passada. O trânsito, por exemplo, fluía tão bem que
até o estacionamento acolhia os
carros sem estresse. No "foyer", a
quantidade de ternos escuros e
vestidos pretos era excepcional,
mesmo para os padrões da Sala
São Paulo. Rolava o coquetel do
patrocinador, que depois quase
estragou tudo com o vídeo projetado antes do concerto da Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio da Polônia, ao som de um pop
anônimo, recebido em constrangido silêncio por todos.
Entra a sinfônica -e ataca a
"Pequena Suíte" de Witold Lutoslawski (1913-94). Nem toda orquestra se revela ao primeiro
compasso; mas eis uma que sim:
som cheio, enérgico, de uma eficiência expressiva. A "Pequena
Suíte" foi composta em 1951; está
muito mais próxima da "Suíte de
Danças" de Bartók -uma referência assumida quase explicitamente- do que da música posterior do próprio Lutoslawski. De
quem, aliás, esta orquestra gravou
a obra sinfônica completa, junto
com a do outro grande compositor polonês, Penderecki (que regeu seu "Réquiem" na Sala há
duas semanas).
Depois foi a vez dele, o pobre e
maravilhoso "Concerto para Violino e Orquestra" de Tchaikovski
(1840-93). Pobre porque desde
sempre tem sido alvo de sarcasmos, que continuam se repetindo
a despeito de sua posição confirmada no cânone. E maravilhoso
não só no sentido espontâneo da
palavra, mas porque o maravilhamento faz parte da música aqui.
Toda a dificuldade, todo o virtuosismo, tudo o que o "Concerto"
tem de mais chamativo justifica-se como experiência de superação, instrumental e humana. Estamos no reino do sublime romântico, que pede um violinista
de coragem.
Veio. Aliás, já veio muitas vezes.
Mas o russo Boris Belkin talvez
nunca tenha tocado tão bem por
aqui quanto na sexta. A esta altura
-depois de já ter feito o mesmo
Tchaikovski, há anos, com Leonard Bernstein e a Filarmônica de
Nova York e o gravado duas vezes
(com Ashkenazy e a Philharmonia e com Michael Stern e a Filarmônica de Londres)-, o mínimo
que se pode dizer é que tem a música nos dedos. Mas o mais importante não depende só disso:
um sentido das coisas, minuciosamente trabalhado a cada gesto,
em cada pequena intenção.
Seu cacoete de passar os dedos
ao longo do arco, entre a madeira
e a crina, enquanto espera a próxima entrada, tem algo de teatral e
algo de musical, assim como sua
postura levemente inclinada, com
os joelhos um pouco dobrados e
os olhos fechados, lembrando um
guitarrista de rock. Belkin toca
com gana; toca também num limite da velocidade, mas fecha as
escalas com um sorriso de quem
está fazendo tudo com prazer.
Não acertou mil por cento das arcadas, o que não tem a menor importância. Foi arrebatador.
Na segunda parte, a vigorosa
sinfônica fez a "Sétima" de Dvorak (1841-1904), bem regida -de
cor- por Gabriel Chmura. A glória dos poloneses são os violinos.
Chmura, de sua parte, é um daqueles regentes relativamente discretos, que não chegam a encantar, mas jamais fazem um gesto
musical em falso. Juntos, deram
um lindo bis, a "Valsa Triste" de
Sibelius (1865-1957), que fechou a
noite em tons de sábia melancolia. Voltou o silêncio, então, mas
não tinha mais nada de constrangido. Era música.
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